Donald Trump parecia ter conseguido o que queria com a sua inesperada viagem-relâmpago ao México, na quinta-feira. Deu mostras de conseguir comportar-se como um chefe de Estado convencional, não quebrou regras de decoro, demonstrou que conseguia conversar com o líder de um país que não morre de amores por ele e estava prestes a provar que o Trump das primárias republicanas, ruidoso e próximo da xenofobia, era uma coisa do passado.
Numa breve declaração aos jornalistas na Cidade do México, ouviu até o presidente mexicano dizer que os países têm o “direito natural de proteger as suas fronteiras”. Era a “viragem” que vinham prometendo as sucessivas lideranças da campanha republicana – esta é já a terceira –, e que parecia estar a materializar-se nas últimas duas semanas: um Donald Trump mais moderado nas suas políticas de imigração, apetecível a republicanos moderados e preocupado com as minorias das quais depende para vencer a Casa Branca em novembro.
Mas a estratégia de moderação de Donald Trump ruiu precisamente no dia em que parecia mais credível. O desabar começou quando o candidato republicano estava ainda a caminho de Phoenix, no Arizona, onde agendara um grande discurso sobre imigração, quando, ao início da tarde, o presidente mexicano veio desmenti-lo publicamente, dizendo que, ao contrário do que afirmara o magnata na conferência de imprensa conjunta, o assunto de quem pagaria pelo muro na fronteira dos Estados Unidos com o México fora discutido e Enrique Peña Nieto deixara claro, logo “no início da conversa”, que o seu país não ficaria com a fatura.
Seria mais tarde, porém, no comício em Phoenix, que Donald Trump selaria o fim da sua “viragem”. O candidato republicano indicou em várias ocasiões na última semana que estava disposto a suavizar a sua política de imigração — foi por estes dias que apelou também ao voto dos afro-americanos, um bloco eleitoral que lhe está distante.
As expetativas dissiparam-se com rapidez. Trump não disse ainda o que pensa fazer aos milhões de imigrantes sem documentos que trabalham há vários anos nos Estados Unidos, nunca violaram a lei e têm lá família, mas em relação a todos os outros, “vão-se embora rapidamente”. Nas contas do “Washington Post”, o número de imigrantes sujeito a deportação numa administração Trump pode ascender aos seis milhões de pessoas, dependendo do que as autoridades americanas entendam por “violar a lei”.
Trump retomou ainda a ideia de criar uma “força de deportação” para a qual contratará milhares de novos agentes. Quer também cortar o financiamento a cidades que ofereçam alguma proteção a imigrantes ilegais e onde se proíbe, por exemplo, que a polícia interrogue alguém com a única intenção de ver os seus documentos.
A suposta suavização do discurso de Trump falhou o alvo de tal maneira que o portal Politico noticiava ontem que um dos responsáveis pela estratégia hispânica na sua campanha, Jacob Monty, apresentara a demissão depois do discurso de Phoenix. Um outro, o presidente de um grupo de latinos conservadores, Alfonso Aguilar, dizia estar “inclinado” a fazer o mesmo.
Não é líquido, porém, que Trump realmente quisesse completar a “viragem” que vinha prometendo. Existe um consenso entre observadores de que é demasiado tarde para o magnata do imobiliário conseguir o voto das minorias — faltam pouco mais de 60 dias para as eleições. Na sua mente estarão sobretudo os conservadores mais moderados, que ainda não se convenceram da sua abordagem de linha dura. “Não existe nenhuma viragem, nenhuma página nova, nenhum Trump 2.0”, argumentava o “Washington Post” na quinta-feira.
Quanto ao muro que discutiu ao início do dia com Peña Nieto, o magnata foi claro em Phoenix: “O México vai pagar pelo muro, acreditem em mim: 100%. Eles ainda não o sabem, mas vão pagar pelo muro. São ótimas pessoas e ótimos líderes, mas vão pagar pelo muro.”