Conhecer melhor o país… ou “fazer as férias cá dentro”

Pergunto-me quantos cidadãos conhecem a cidade, vila ou aldeia onde residem, para além dos hipermercados, centros comerciais ou discotecas locais?

Há uns anos, ao ter em casa uma jovem grega amiga dos meus filhos, resolvemos tirar um dia inteiro para fazer turismo em Lisboa, com eles e mais uns amigos. Saímos de manhã, por volta das dez. Começámos junto à Sé e, depois de a visitar, subimos a pé até ao Castelo, descemos Alfama, tomámos um refresco no Miradouro de Santa Luzia, deambulámos pela Baixa, Chiado, Sétima Colina (com as suas casas e jardins magnificamente recuperadas), visitámos a Zona Ribeirinha, a Graça (e o lindíssimo miradouro), rumámos depois a Belém, entrámos na Torre de Belém (onde uns turistas alemães cantavam canções tradicionais, em polifonia, enquanto subiam e desciam as escadarias – uma experiência única), visitámos os Jerónimos e o Museu dos Coches, comemos uns deliciosos pastéis de nata e fizémos compras na Rua Vieira Lusitano… enfim, embora fosse um pouco “meter o Rossio na Betesga”, pudémos – eu e as crianças que me acompanhavam – saborear os encantos da nossa cidade. Foi cansativo mas foi muito bom.

De regresso a casa, dei comigo a pensar que: a) tinha visto coisas em que nunca tinha reparado; b) tinha revisitado outras coisas que já não via há sei lá quantos anos, com todas as vantagens de rever o mesmo sob outra ótica.
Este ano, o destino turístico foi outro. Uma cidade onde já terei ido, em números redondos, entre 20 a 30 vezes… mas onde nunca tinha feito “turismo como deve ser” – a Invicta! Mea culpa, faço-a já. Mas a correria do “chega-a-Campanhã-ir-para-a-faculdade(ou para os serviços de saúde)-hotel (e nem sempre!)-Campanhã-Lisboa” não me permitiram descobrir uma das cidades mais bonitas da Europa.

É uma sensação engraçada, andar em Portugal de mapa na mão, e percorrer igrejas, museus, parques, ruas e vielas, ver pormenores de arquitetura, escultura, pintura, as gentes, as montras e, claro, o Douro, arrisco-me a dizer, o rio mais bonito de Portugal, do Freixo à Ribeira e desta à Foz, para lá dos encantos de todo o resto do seu percurso.

Regressando na memória, recordo-me de, quando era adolescente, aproveitar alguns sábados de manhã e ir, com amigos, fazer o que designávamos por “raides” fotográficos a Lisboa. A fotografia era o pretexto, mas o que contava era o prazer de calcorrear as ruas e ruelas da cidade velha, de olhar bem para os monumentos à procura de motivos para disparar a máquina, de observar as pessoas na rua, os diversos pontos de vista ao virar de uma esquina, num pátio, através de umas grades, do cimo de uma rua… 

Os tempos obviamente mudaram mas, pergunto-me: quantos cidadãos conhecem a cidade, vila ou aldeia onde residem, para além dos hipermercados, centros comerciais ou discotecas locais ? Quantos sabem pormenores àcerca da história das pessoas e dos factos relativos à terra onde vivem ? Que sabem do próprio passado, das coisas belas que os circundam? Desculpe, leitor, mas sabe quem foi (se for o caso) o cidadão ou a cidadã que deu o nome à rua onde vive? Onde trabalha? Onde circula? Por onde passeia o seu cão?

Se o número dos que não conhecem, não sabem ou não se interessam é eventualmente grande, permitam-me uma outra pergunta: de quem é a culpa? No que toca às crianças, quantos pais “perdem” (ou ganham, conforme as perspetivas) tempo, ao fim-de-semana, a passear com os filhos pela cidade ou vila onde moram? Quantos chamam a atenção para jardins, monumentos, estátuas, edifícios, varandas, parques, etc? Quantos, aliás, conhecem essas particularidades e a sua história? Os museus estão “às moscas”, diz-se… Porquê?

Por outro lado, com um país que é um oásis para os estrangeiros, em que a beleza espreita a cada esquina – Douro, Minho, Ria de Aveiro, Coimbra, Serra da Estrela, Região Oeste, Santarém, Alentejo, Algarve (designadamente a serra)… e desculpem os que habitam em zonas que não citei, sem falar nos Açores ou Madeira -, com comida da melhor, simpatia a rodos, facilidade de transportes e tanta coisa mais, custa-me a compreender que se vá às Seychelles e nunca se tenha ido ao Gerês, ou que se peça um empréstimo bancário para umas férias nas Caraíbas e não se conheça o prazer de passear em Évora. 

Por mim, que adoro o meu país, não por patriotismo mas pelas belezas que temos, desde uma cidade onde se encontra a maior das “movidas”, até ao campo, às casas de turismo rural ou de habitação, onde a paz ainda é possível, tendo-o visitado de norte a sul (faltava-me o Porto, pois é! E agora apenas Chaves…), confesso que não trocava umas excelentes férias deambulando em Portugal por um lufa-lufa de aviões e aeroportos, confusões de zonas turísticas e engarrafamentos nas estradas, ou ser explorado em restaurantes e hotéis, fazendo nas férias quase o mesmo do que nos dias de trabalho, em locais estandardizados e descaraterizados. Gosto de viajar pela Europa – e faço-o desde os 18 anos, quando me meti anos seguidos nos comboios do Interrail, e conheço-a de lés a lés, mas há um país, no extremo oeste do Velho Continente, que aconselho a visitar. É um que os europeus escolhem como destino privilegiado! Um de que dizemos mal, que “botamos-abaixo”, mas que muitas vezes não apreciamos como deve ser. Chama-se Portugal.

Estamos com tendência para ficar uma geração de acomodados e a gerar uma outra de ignorantes, em relação a coisas tão simples e tão acessíveis como as terras onde nascemos, vivemos e  provavelmente morreremos. Conhecemo-la pelas partes negativas, pelo trânsito, pelas enchentes dos hipers, pelos buracos da rua, pelo “rosnarmos” com tudo e com todos, mas que esforços fazemos para a conhecermos nas suas partes positivas, que afinal são tantas?

Fica o desafio. Aproveitem os tempos livres, os sábados ou os domingos. Programem a vossa vida e tirem os as crianças e jovens de frente do televisor, computador e consolas, saiam, andem a pé, observem, desfrutem, passeiem, contemplem… aproveitem a calma do fim-de-semana, sentem-se numa esplanada para tomar um café ou um refresco e passar os olhos pelas “gordas” do jornal, entrem em igrejas e monumentos, queiram saber algo mais sobre a História e sobre as histórias.

Um país que perde o contacto com o passado é um país sem futuro. Ignorar o que existe de bonito e de positivo na terra onde vivemos é perder o contacto com a realidade e tornar a vida uma coisa extremamente desagradável, monótona e sem sentido, além de nos tornar mais amargos, litigantes e ressabiados.

Pediatra
Escreve à terça-feira