Ao convocar os dirigentes das classes profissionais da Justiça para que cheguem a um entendimento de base, de forma a pressionar os partidos e assim abrir caminho para um pacto político que transforme a Justiça numa das prioridades nacionais, o Presidente da República tocou na ferida.
De facto, foram raros os momentos, nas últimas décadas, em que dirigentes institucionais e sindicais estiveram de acordo quanto às reformas na Justiça, quando não entraram mesmo publicamente em choque. Nuns casos, isso foi aproveitado pelos partidos no poder para optarem pelo mais fácil e mais barato – ou seja, deixar tudo como estava – e, noutros, para levar medidas surreais por diante, porque até ficava bem afrontar os interesses corporativos.
Mas é preciso recordar, também, que até determinado período histórico houve consenso político, da esquerda à direita, quanto ao modelo de Justiça que se pretendia. Esse consenso só foi quebrado quando começaram a surgir os chamados processos mediáticos, no final dos anos 80 e início dos anos 90, envolvendo dirigentes políticos e figuras empresariais, até aí consideradas intocáveis.
E é preciso lembrar que ainda há 10 anos houve quem, nos bastidores políticos, prometesse abertamente ‘partir a espinha’ aos magistrados – ameaça que encontrou eco, infelizmente, entre alguns dirigentes máximos das magistraturas e da advocacia, mais interessados em preservar privilégios de classe e os seus pequenos poderes junto do poder político.
Por isso é que o acordo entre PS e PSD, em 2006, durante o governo de José Sócrates, se restringiu a aspetos pontuais e não chegou a ser um verdadeiro pacto para as reformas. Estas viriam a ser feitas no governo PSD-CDS, mas com o problema de muitas delas não terem o apoio dos operadores judiciários e, sobretudo, de não terem sido acompanhadas dos necessários meios humanos e tecnológicos.
Essas medidas custam dinheiro, claro, mas é tudo uma questão de prioridades. Quando chega a hora do Orçamento do Estado, a Justiça fica, em regra, com algumas migalhas. Enquanto isso, os bancos recebem valores astronómicos dos cofres do Estado sem que ninguém se digne explicar cabalmente ao país qual a razão e o que se propõe fazer exatamente – como se viu agora na CGD, em que se vão injetar, em três anos, 5,1 mil milhões, preferindo-se salientar a «grande vitória» que foi a aprovação em Bruxelas de um afamado plano de reestruturação, em que somos chamados a acreditar de olhos fechados. E, mais uma vez, a pagar.