As relações externas continuam a ser o principal foco de divergência pública na geringonça, com o Bloco de Esquerda de um lado e o governo e o PS do outro. Depois das recentes críticas às opções do executivo e dos socialistas perante Bruxelas e os compromissos europeus, designadamente o pacto orçamental, e às relações com Luanda, o desacordo atravessou o Atlântico e chegou ao Brasil.
O primeiro-ministro, António Costa está no país sul-americano em visita oficial para assistir hoje à abertura dos Jogos Paralímpicos, no Rio de Janeiro, e apoiar a seleção portuguesa. Pelo meio vai ter um encontro com o recém-empossado presidente brasileiro. E o BE não deixou de criticar essa decisão.
Por isso, ontem, terça-feira, emitiu um comunicado a lamentar “o inoportuno encontro marcado entre o primeiro-ministro, António Costa, e Michel Temer, um político que chega à presidência da República do Brasil sem legitimidade e a braços com a justiça”.
Apesar de manifestar o “respeito pela soberania do povo brasileiro e sem prejuízo das relações que ligam os dois Estados”, os bloquistas continuam a juntar a sua voz à de quem, no Brasil e em várias latitudes, denuncia este processo como um golpe contra a democracia.
O BE referia-se à conclusão no passado dia 31 de agosto do processo de impeachment da presidente Dilma Russeff, dia em que Michel Temer assumiu as funções de chefe de Estado brasileiro.
“Este encontro vem na sequência de declarações do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, no sentido de uma legitimação do novo governo brasileiro, das quais o Bloco também se demarca claramente”, afirmaram os bloquistas.
Para o partido, “a deslocação do primeiro-ministro, anunciada em apoio aos atletas portugueses nos Jogos Paralímpicos, é uma iniciativa louvável, mas que não aconselha nem justifica o encontro com Michel Temer”.
“Tal como muitos dos seus ministros e dos deputados e senadores que o apoiaram, Temer está no centro de várias suspeitas, investigações e casos de corrupção”, lembrou.
O partido vai mesmo mais longe, ao considerar que “o governo português não desconhece que um dos objetivos dos promotores da destituição da anterior presidente é precisamente o de garantir impunidade perante o combate à corrupção e, particularmente, travar o caso Lavajato, em que muitos estão implicados”.
E concluiu: “Ninguém desconhece que, apesar dos fundamentos legais para a destituição de um presidente estarem bem definidos pela Constituição Brasileira, este foi um processo político, para lá da legalidade, visando o derrube do governo democraticamente eleito”.
Em conclusão, em três dos principais vetores da política externa portuguesa – União Europeia, Angola e Brasil – o Bloco tem vindo a afastar-se cada vez mais do PS e do governo.
Todavia, as divergências na geringonça em matéria de política externa não se confinam apenas às relações entre BE e PS/governo.
O PCP, sem comentar o encontro de Costa com Temer, não deixou, a seu tempo, de vincar o que o partido pensa da chegada do vice-presidente ao Palácio do Planalto, residência do chefe de Estado brasileiro.
No dia em que se consumou o impechment, os comunistas acusaram Michel Temer de “antidemocrático” e culparam o “grande capital brasileiro” pela saída de Dilma Roussef.
O PCP recordou então que Dilma foi eleita pelo voto democrático de “54 milhões de brasileiros”, classificando a decisão do Senado brasileiro como o culminar de “um processo de autêntico golpe de Estado institucional”.
Na votação que decidiu o impeachment, dos 81 senadores, 61 votaram a favor e 20 contra a decisão que levou ao afastamento de Dilma.