“Mama Sume!”, aprendem a gritar os militares dos Comandos assim que iniciam as doze semanas da instrução da especialidade. O grito de guerra, que significa “Aqui estamos, prontos para o sacrifício” é, na realidade, uma apropriação de um grito de uma tribo do sul de Angola usado no ritual de entrada na vida adulta.
Um grito que traz a promessa de não vacilar. Por nada. Uma ode ao sacrifício que, no domingo passado, saltou de forma trágica a fronteira da promessa: o militar Hugo Abreu, 20 anos, natural da Madeira, perdeu a vida depois de um exercício do curso de Comandos, vítima de um “golpe de calor”. Hugo foi transportado para o Hospital do Barreiro já sem vida, mas não foi o único a sofrer os efeitos nefastos do sol – nesse dia, os termómetros no campo de tiro em Alcochete, onde decorria o exercício, rondavam os 41 graus. Também o soldado Bylan Araújo da Silva, de Ponte de Lima foi internado no mesmo hospital com o mesmo quadro clínico.
Ontem, o Exército fez saber em comunicado, que para além de Hugo Abreu e Bylan Araújo da Silva, outros seis militares do 127.º curso de Comandos foram assistidos no Hospital das Forças Armadas nas últimas 48 horas devido à exposição solar durante o treino. Cinco regressaram ao curso, um continua “internado sem qualquer risco de vida, em observação de indícios de rabdomiólise [uma quebra rápida do músculo esquelético, devido a lesões nos tecidos musculares]”, explica o Exército.
Já o soldado Bylan Araújo da Silva continua com prognóstico reservado, embora se registe uma “evolução clínica favorável”, adiantava o comunicado
No total, foram oito as vítimas que gritaram “Mame Sume!” ao início do dia, sem antecipar que o sacrifício terminaria no hospital. No caso de Hugo Abreu, o sacrifício foi derradeiro e demorado: o militar esteve durante quatro horas e meia na enfermaria de campanha montada no campo de tiro até entrar em paragem cardiorrespiratória.
A Polícia Judiciária Militar encontra-se a investigar o “trágico acontecimento”, informou na segunda-feira o general chefe do Estado-Maior do Exército, Rovisco Duarte.
Também o ministro da Defesa Nacional reagiu no mesmo dia ao caso: “Os familiares e os camaradas do militar falecido estão a receber apoio psicológico disponibilizado pelo Exército. Foram também tomadas todas as diligências necessárias para se apurar as circunstâncias e causas desta morte trágica”, disse Azeredo Lopes.
Os treinos do 127.º curso de Comandos vão prosseguir como previsto.
Tropa de elite
Os comandos são a unidade das Forças Armadas Portuguesas que mais próximo estará da imagem de uma tropa de elite. A “natureza eminentemente ofensiva” é, aliás, um dos traços dos Comandos, como se pode ler na página oficial do Exército. Traço escrito a suor e levado ao extremo tanto pela intensidade dos treinos como pela exigência dos mesmos.
A candidatura à especialidade está apenas reservadas a militares que podem ir de praças a sargentos e oficiais. Antes de ingressar nos Comandos, os militares são alvo de um apertado processo de seleção, sendo submetidos a provas de aptidão física e psicotécnica e ainda provas médicas. Das provas físicas fazem parte requisitos como “nadar 15 metros em imersão”, “percorrer 8 km em 60 minutos, armado, equipado e com 5 kg de carga” ou saltar “uma vala de três metros”, lê-se no site de recrutamento das tropas especiais do exército.
Antes de iniciar o curso, os militares são ainda sujeitos a um estágio de três semanas que “tem como finalidade preparar e dotar o militar, a nível físico e técnico, para que este consiga iniciar o Curso de Comandos com as condições consideradas necessárias”.
Só após estes passos é iniciado o curso propriamente dito. Durante as primeiras 12 semanas de instrução, os militares recebem formação em “três pilares fundamentais”: técnica de combate, treino físico e tiro de combate “ onde é ensinado a bater alvos no mínimo tempo possível com o menor número de munições”. Caso concluam com sucesso estas etapas, os militares são ainda postos à prova num exercício final que tem a duração mínima de 12 dias.