Uma multinacional é obrigada pela Comissão Europeia a indemnizar um país, recentemente saído de uma crise financeira, em cerca de 13 mil milhões de euros. O governo desse país não quer aceitar o montante e pede à instituição comunitária que anule a decisão.
O caso pode parecer estapafúrdio. Mas corresponde à realidade. Depois de conhecida a sentença europeia, na semana passada, que exigia que a empresa Apple saldasse o montante referido, por não ter pago impostos à Irlanda durante vários anos – através de um esquema montado para evitar que os seus lucros fossem taxados –, o governo da República da Irlanda decidiu colocar-se do lado do gigante tecnológico e rejeitar os milhares de milhões de euros.
“Não é verdade que à Apple tenha sido dado tratamento mais favorável”, defendeu Enda Kenny, o chefe do governo da Irlanda, ontem no parlamento, segundo o “Irish Times”. Para o “Taoiseach”, a decisão da Comissão Europeia foi “profundamente errada” e, nesse sentido, o recurso será apresentado com “todas as expectativas de sucesso”.
Foi precisamente para debater essa posição extravagante (ou não) do executivo irlandês que o parlamento local, o Dáil, se reuniu. Na véspera, o ministério das Finanças já tinha distribuído pelos parlamentares um documento, com vista à obtenção de apoio para avançar com o recurso. Um apoio simbólico, leia-se, uma vez que o governo já decidiu avançar com o recurso, independentemente do resultado da votação. Não obstante, um possível amparo por parte da Assembleia poderia fazer a diferença no desfecho final,
Acredita o executivo
Mas os partidos da oposição, com o Sinn Féin à cabeça, defendem que a pretensão de ‘poupar’ a Apple revela um comportamento muito próprio do governo chefiado por Kenny, de constante preferência pelas grandes empresas e negócios, em detrimento do contribuinte comum irlandês, e propõe que os 13 mil milhões de euros sejam investidos na recuperação do sistema de apoios sociais, muito fustigado pela crise ecómica recente.
Já o governo entende que tem um longo historial de investimento para defender e relembra que empresas como a Apple empregam 1 a cada 6 trabalhadores na Irlanda.
“As reações à decisão da Comissão Europeia (…) pintaram uma caricatura ultrapassada da posição da Irlanda sobre assuntos fiscais”, lamentou-se aos deputados o ministro das Finanças, Michael Noonan, citado pela BBC. De qualquer forma, também rejeita a acusação de que o Estado esteja a oferecer tratamento favorável à Apple. “É simplesmente mentira”, garantiu.
Sede em cork
Uma nuvem que pode estar a pairar na cabeça dos membros do executivo irlandês tem a ver com uma possível ameaça, por de mudar a sua sede na Europa, em Cork, no sul da ilha irlandesa. E por essa razão, fará ainda mais sentido, acreditam, lutar por este recurso. É que uma possível mudança de sede colocaria em causa mais de 5 mil postos de trabalho, numa altura em que a Apple acordou abrir mais vagas já a partir de 2017.
Tim Cook, CEO da Apple, relembrou há pouco tempo que a empresa é “o maior contribuinte na Irlanda” e mostrou-se confiante quanto à pretensão do governo de reverter a sentença, apelidada pelo próprio como um “disparate político”.