No dia em que se consumou o afastamento de Dilma, o PCP acusou Michel Temer de ser «antidemocrático» e recordou que a ex-Presidente foi eleita por «54 milhões de brasileiros», classificando a decisão do Senado brasileiro como o culminar de «um processo de autêntico golpe de Estado institucional». Dirigentes e personalidades do BE disseram mais ou menos o mesmo por essa altura.
Nesta linha, o Bloco veio a terreiro, na terça-feira, criticar o encontro que António Costa teria no dia seguinte com Michel Temer, no Brasil, integrado na receção que este promoveu aos governantes dos países participantes nos Jogos Paralímpicos. Talvez também inspirado pelos concertos que Caetano Veloso, apoiante de Dilma, deu nesses dias em Lisboa, e em que se repetiram os gritos de «Fora Temer!» por parte de alguns dos cidadãos brasileiros na plateia, o partido liderado por Catarina Martins emitiu uma nota surpreendente, em que «lamenta o inoportuno» encontro Costa-Temer, «um político que chega à Presidência da República do Brasil sem legitimidade e a braços com a Justiça». E disse mais: «Ninguém desconhece que, apesar dos fundamentos legais para a destituição de um Presidente estarem bem definidos pela Constituição brasileira, este foi um processo político, para lá da legalidade, visando o derrube do governo democraticamente eleito».
Em primeiro lugar, como poderia um primeiro-ministro ou Presidente de um país ir ao Brasil e não se encontrar com o Presidente do país anfitrião? Como bem respondeu António Costa, isso «seria absolutamente extraordinário» do ponto de vista diplomático. Seria confundir confrontação ideológica e política com relações entre Estados.
Em segundo lugar, Temer assumiu o cargo dentro da legalidade do sistema político brasileiro, sem qualquer golpe constitucional ou militar. Os que, como BE e PCP, criticam a forma como Temer chegou à Presidência, poderão falar, sim, de um golpe político – ao jeito, aliás, daquele que a ‘geringonça’ deu para apear em novembro passado o Governo de Passos Coelho e Paulo Portas. Apesar de PSD e CDS terem vencido as legislativas com o voto de quase dois milhões de portugueses, os partidos que ficaram atrás coligaram-se para colocar no Governo o PS e António Costa. E bateram muitas palmas ao que este classificou como «um tempo novo para Portugal» – exatamente o mesmo que Temer diz no Brasil.