Um fórum antes do pacto da Justiça

Em 2010, enquanto presidente do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados defendi a necessidade da realização de um pacto na Justiça portuguesa, para o qual deveriam participar os partidos políticos com assento na Assembleia da República e as representações profissionais do mundo judiciário.

A preocupação manifestada que fundamentava aquela necessidade decorria de uma constatação: o séc. XVIII apresentou-se como um construtor de novas necessidades e simultaneamente de riscos, resultado da produção em massa que o progresso científico e técnico embalava; o séc. XX haveria de tornar visíveis suores e lágrimas, crítica e crise, desconstrução de valores e construção de valores outros, revoluções e guerras, democracia e ditadura, grandes narrativas históricas e a defesa dos direitos humanos e da liberdade, da fusão da ‘liberdade dos antigos’ com a ‘liberdade dos modernos’, tempo contraditório de uma física e metafísica sobre os direitos humanos; e o séc. XXI haveria de afirmar a carta dos direitos humanos e, simultaneamente, a afirmação de um capitalismo financeiro transnacional e axiológico, tendo como pano de fundo um tempo que se exprime pela homogeneização de um mundo global, multicultural, cada vez mais complexo, cada vez mais incompreensível e cada vez mais contingente.

O legislador – já nesta fase histórica em que essa função já não pertence exclusivamente ao Parlamento, nem tão-pouco ao Estado – espraia-se em tudo regular, quer por sua iniciativa quer por iniciativa da opinião pública, da opinião publicada, de grupos sociais e empresariais, e, muitas vezes, para responder à pressão dos eleitores.

A crise da Justiça vê-se acompanhada e agravada pelos diversos e curtos tratamentos a que é submetida pelos sucessivos governos, pelos sucessivos ministros da Justiça, todos com a convicção da alteração estrutural do sistema e das leis, sobrepondo-se temporalmente umas às outras, sem cuidar de monitorizar as anteriores e agir a partir de resultados e sem cuidar da necessidade de um consenso que permitisse valorizar o futuro.

Mas a construção de um pacto da Justiça exigia mais do que constatar e mais de que o desejo da sua realização. Exigia apreender a realidade, conhecê-la e criar as condições objetivas para que tal viesse a ser possível. 

Foi esse outro pressentir sobre o mesmo olhar que me levou, posteriormente, a propor a constituição de um fórum institucional sobre a Justiça, como um espaço ‘gerador textual’ – com a capacidade de proporcionar o encontro e desencontro e de consenso e de dissenso, mas comungando a corresponsabilidade pelo resultado.

Esse espaço, como disse Jónatas Machado a outro propósito, seria «aberto e plural, sociologicamente compreendido como um fórum de interação dialógica e crítica, de encontro e de confronto entre as mais diversas mundividências e conceções éticas e morais, no contexto da deteção, tematização e resolução dos problemas da comunidade». Fórum institucional esse constituído pelo ministro da Justiça, pelos presidentes dos Supremos Tribunais e do Tribunal Constitucional, pelo procurador-geral da República, pelo bastonário da Ordem dos Advogados e por um representante de cada grupo parlamentar com assento na Assembleia da Republica.

Sem esta criação de condições objetivas não é possível um pacto da Justiça, pois, como afirma Haberman, só se consegue atingir um acordo quanto àquilo que é do igual interesse de todos, se cada qual se dispuser a adotar o ponto de vista do outro.