O jogo de equilibrismo de Jean-Claude Juncker ao leme da União Europeia não parece ter fim. Depois de uma guinada contra o seu antecessor, José Manuel Durão Barroso, que muitos justificaram com a pressão da esquerda sobre as suas ligações ao caso Luxleaks, e com alguma contestação interna devido a não ter conseguido impedir o Brexit, Juncker volta a quebrar o protocolo europeu, desta vez em nome de um alemão, Martin Schulz.
Schulz, que nem sequer é do mesmo partido europeu do presidente da Comissão, partilha com Juncker a crença numa Europa mais integrada e com uma união mais profunda. Agora, tem o apoio de Juncker para continuar presidente do Parlamento Europeu que, segundo as regras internas da instituição, deveria abandonar nos próximos tempos.
A história pessoal do político germânico é curiosa. Filho de um polícia, educado por católicos e viciado em futebol, Martin Schulz nasceu em 1955 numa cidade fronteiriça alemã. A proximidade geográfica com os Países Baixos e a Bélgica fez dele um poliglota, falando francês e holandês desde novo. Uma faculdade essencial para a sua futura carreira nos corredores de Bruxelas. Academicamente, nunca foi grande aluno e enquanto jovem e chegou a sustentar-se com vendas de livros.
Inscreveu-se numa estrutura local do partido social democrata alemão aos dezanove anos. Aos 31, foi eleito o presidente de câmara mais jovem da região da Vestefália. Candidatou-se a eurodeputado em 1994 e foi subindo, de líder da bancada dos socialistas alemães para secretário-geral do Partido Socialista Europeu. Em 2012, os eurodeputados elegeram-no presidente do Parlamento Europeu (PE).
Quando Durão Barroso terminou a sua década ao serviço da União Europeia, Schulz, a presidir o PE, candidatou-se à sua sucessão com o apoio dos socialistas europeus. No entanto, Jean-Claude Juncker, do Partido Popular Europeu, prevaleceu e os socialistas aceitaram apoiá-lo se Schulz se mantivesse como presidente do Parlamento. Este tipo de acordo é comum na medida em que, por exemplo, Durão foi o candidato de centro-direita mais aceitável para a esquerda europeia apoiar. Afinal de contas, o português vinha de um partido social-democrata de nome e beneficiava de um apoio notável do lado progressista, Tony Blair.
Tradicionalmente, a presidência da Comissão Europeia vai para a família partidária mais votada nas eleições europeias, alternando cada metade do mandato entre o Partido Popular Europeu (PPE) e a aliança progressista dos socialistas e democratas (SD). O vencedor das europeias pode escolher qual das metades prefere presidir. Foi, por exemplo, essa uma das razões para Mário Soares não ter sido presidente do Parlamento Europeu; o português queria a primeira metade e o vencedor do PPE não o permitiu.
Agora que a legislatura europeia chegará precisamente a essa metade, no início de 2017, a tradição parece ameaçada. Martin Schulz não mostra vontade de abandonar a presidência do PE e conta com o apoio fundamental de Jean-Claude Juncker. O presidente da Comissão Europeia apelou à necessidade de estabilidade para justificar a sua decisão; algo que não caiu nada bem no PPE que já lhe pediu explicações. Juncker já havia afastado um dos principais opositores de Schulz ao nomear Guy Verhofstadt para a chefia da equipa que tratará dos assuntos relacionados com a saída do Reino Unido da União Europeia.
Para os socialistas europeus, é fundamental manter Schulz na liderança do Parlamento Europeu para não verem o PPE liderar as três instituições europeias, que tem Donald Tusk no Conselho Europeu e Juncker na Comissão. “Se eles tirarem o Martin, nós tiramos o Tusk”, revela ao i um eurodeputado
No entanto, há também uma ala à esquerda que aponta Schulz para a chancelaria alemã, de modo a substituir Angela Merkel e garantir uma mudança mais efetiva no plano político europeu. Schulz desmentiu recentemente a vontade de ser chanceler, afirmando que a sua prioridade passa pela Europa.
O especialista em assuntos europeus, Henrique Burnay, afirmou ao i: “A distribuição de lugares é um equilíbrio de forças. Juncker organizou a distribuição de poder na Comissão com o cuidado de nunca haver favorecimentos diretos em relação ao PPE ou aos sociais-democratas. Manter Martin Schulz na presidência do Parlamento Europeu reforça a autonomia da Comissão, até porque nada consegue fazer sem consentimento dos eurodeputados. Enquanto Jean-Claude Juncker está preocupado com este equilíbrio, alguns deputados do PPE estão mais preocupados com a tradição parlamentar. É natural”.
Os portugueses conhecem Martin Schulz devido às suas declarações mais iconoclastas em comparação com a linha de Bruxelas. Em maio deste ano, defendeu que a União Europeia não devia “pedir mais medidas aos gregos”, comparando a UE a uma “bicicleta sem ar nos pneus”. Em março de 2015, afirmou que a União estava “a pedir sacrifícios aos cidadãos para salvar bancos”. Neste verão, assumiu ser “contra as sanções a Portugal”.