Em japonês, konnichiwa é uma expressão para dizer “olá” ou “boa tarde”. E foi claramente o que Skepta quis fazer ao seu quarto álbum a solo. Com “Konnichiwa”, o músico de Tottenham quis dizer que está aqui, que tem coisas para dizer, que devemos fixar o seu nome. E o júri do prémio Mercury, galardão da Indústria Fonográfica Britânica, parece concordar, tendo-o escolhido em detrimento dos favoritos David Bowie, Radiohead e Laura Mvula para receber o galardão de 25 mil libras (29 mil euros), valor que o artista tenciona usar para “alguma coisa positiva, para ajudar os que precisam a sentirem-se feliz e livres como eu me sinto. Estamos a fazer um projeto, a construir um estúdio na minha antiga propriedade para ajudar os miúdos a fazerem música. E queremos levá-los ao museu Victoria and Albert para tocarem, para que possam experimentar porque a experiência é tudo.”
Esta vitória surpreendeu o próprio Skepta, sobretudo porque a sua carreira tem sido marcada por inúmeros altos e baixos, como sublinhou no discurso de agradecimento, rodeado por amigos e pela família, que fez questão que subisse consigo ao palco. Foi, aliás, aos pais que começou por agradecer, porque “foram eles que nos fizeram, que nos deram aquela voz que temos na cabeça e nos ajuda a manter na linha”. Logo de seguida, o músico alargou os agradecimentos: “Obrigada a todos os que me apoiaram quando estava a passar por momentos depressivos. Não sei, estou agradecido… Sem uma editora, viajámos pelo mundo”, disse no discurso de agradecimento. Uma dessas pessoas foi a improvável Adele. Depois de ter ficado sem editora e ter assistido à morte de um grande amigo, Skepta estava pronto para desistir da música. “No dia em que ia desistir de tudo, a Adele postou uma foto minha no Twitter com a legenda ‘Tottenham Boy’. Eu adoro a Adele, é uma artista que acompanho, vejo como se movimenta no mercado. É ela que nos diz como a devemos tratar”.
Um homem e um estilo. A vitória de Skepta não é uma vitória apenas para um músico e o seu álbum. Neste caso, é todo um género musical – o grime – que se premeia, um género que cruza o garage com o hip hop e o drum and bass, que faz parte da subcultura londrina, dos seus subúrbios, das suas batalhas. Esta é a segunda vez que o grime é premiado pelo Mercury – a outra foi em 2003, com “Boy in da Corner”, de Dizzee Rascal, considerado grande embaixador do estilo. Curiosamente, Skepta foi perentório a recusar que se veja esta vitória como um regresso do grime. “As pessoas que consideram que o grime está de regresso são carneiros que seguem os media. Aqueles que não são carneiros sabem que o grime nunca desapareceu”, disse numa entrevista.
Joseph Junior Adenuga nasceu em setembro de 1982, filho de pais nigerianos, que se instalaram em Tottenham, no norte de Londres, depois do pequeno Joseph, com apenas três anos, ter pegado fogo à casa onde a família vivia anteriormente.
Foi em Tottenham que Joseph renasceu como Skepta (uma variação da palavra inglesa sceptre, que significa cetro) e começou a fazer música com o irmão Jamie, hoje em dia conhecido como JME, produtor de grime. A irmã, Julie, também trabalha com música, apresentando um programa no Apple Beats 1.
Depois de ter começado a carreira em 2009 com os Meridian Crew, aventurou-se a solo. E depressa percebeu que a internet lhe permitia fazer o seu caminho de forma independente, longe das grandes empresas, que no fundo lhe retiravam a possibilidade de uma voz própria. “O do it yourself é o futuro. Fazer as coisas no meu quarto e entregá-las diretamente aos fãs. Esta atitude permite-me falar diretamente com eles”, disse à BBC.
Skepta fala de e para uma geração que não ouve nem segue nenhum político, como apregoa em “Shutdown”. Um discurso que se inflama ainda mais no tema “Crime Riddim”, no qual fala da experiência de passar uma noite na prisão sem nenhuma razão que o justificasse, despindo-o como se fosse um stripper. “The feds wanna shift man / Wanna put me in a van / Wanna strip a man / I ain’t a Chippendale”, ouve-se.
Apesar deste lado mais politizado, mais do que falar sobre políticos ou sobre o comportamento das forças policiais, Skepta quer ser uma espécie de arauto de uma geração que ele acredita deve parar de estar adormecida e muito menos deve viver alimentada por preconceitos. Foi isso que o rapaz de Tottenham sentiu que teve de enfrentar durante muito tempo e agora quer passar a sua mensagem libertadora. “Cresci nesta sociedade e percebi que, com tudo aquilo com que me preocupava – do governo ao dinheiro – apenas estava a colocar stress em cima de mim. Estava a autoinfligir-me dor. Um dia disse a mim próprio: não quero dinheiro, não quero aparecer na televisão e nem sequer quero ganhar um prémio. Encontrei-me. Sinto-me capaz de ser muito verdadeiro e por isso ser livre.” Agora a liberdade de Skepta valeu- lhe um dos mais importantes prémios da indústria da música inglesa.