Tiro no escuro

Esta expressão, impressa numa parede, interpela-me e questiona-me sobre o seu significado. Um «tiro no escuro» é um tiro disparado sem que se veja o alvo, e que pode acertar em qualquer pessoa; é uma tentativa sem certezas, é uma hipótese que se experimenta sem que se possa antever o resultado. E, não será isto,…

Exceto quando conhecemos antecipadamente os resultados ou as consequências de um ato, a nossa vida acaba por ser um tiro no escuro – estudamos sem saber se conseguiremos um trabalho, casamos sem saber se seremos felizes para sempre (mesmo que essa seja a nossa intenção), temos filhos sem saber como serão – se serão saudáveis, se serão boas pessoas (mesmo que os eduquemos para tal), se serão felizes… –, investimos num determinado projeto sem saber se será bem-sucedido, iniciamos uma viagem sem saber se será exatamente como gostaríamos que fosse… No fundo, muito do que acontece na vida é precisamente um «tiro no escuro», uma tentativa, na maior parte das vezes bem-intencionada, cujos resultados não controlamos.

Ora, a vida acaba por ser, quase sempre, tão difícil como o é o trabalho de escritor para António Lobo Antunes: “O meu trabalho é escrever até que as pedras se tornem mais leves que a água”. Bom seria que, na vida, conseguíssemos tornar as pedras mais leves que a água…

Assim, ao não controlarmos os resultados das nossas ações, estes podem ser mais ou menos positivos, mais ou menos negativos, quer na nossa própria vida, quer na vida de qualquer outra pessoa ou, mesmo, na vida coletiva.

Adotar determinadas decisões, crenças ou atitudes e, com base nelas, disparar um tiro no escuro, pode – muito certamente – ferir e fazer mais vítimas do que um único tiro certeiro, disparado de forma consciente.

Como afirmou Afonso Cruz, recentemente, numa crónica no Jornal de Letras: «Não há nada que nos aprisione mais e nos restrinja do que escolher. E, no entanto, a ação livre é uma das coisas que mais valorizamos. A liberdade, porém, está antes da escolha, quando vislumbramos todas as possibilidades».

Entre as várias crenças e atitudes que nos aprisionam encontram-se, por exemplo, o extremismo religioso ou, mesmo, o machismo, que tanto matam todos os dias…

 

Maria Eugénia Leitão, Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services