Ethan Hawke foi uma das personalidades do 64º Festival de San Sebastian. Não só por apresentar a antestreia do western “Os Sete Magníficos”, já nas salas nacionais, mas também, ou sobretudo, pela homenagem à sua longa e vibrante carreira de ator, à qual se acrescenta a sua versatilidade como realizador, músico e escritor. Merecidíssimo, o Prémio Donostia.
Mesmo sem ser uma mega estrela, poucos de nós não terão sido tocados pela sua prestação em “O Clube dos Poetas Mortos” (1989), um dos seus primeiros trabalhos, ainda quando não tinha a certeza de que queria ser ator, mas também em outros marcos de geração como “Jovens em Delírio” (1994), “Gattaca” (1997), a trilogia romântica que fez com Richard Linklater – “Antes do Amanhecer” (1995), “Antes do Anoitecer” (2004) e “Antes da Meia-Noite” (2013), sempre na companhia sempre de Julie Delpy. Ou ainda o mais recente “Boyhood”, numa colaboração prolongada com Linklater. Um legado impressionante, com a particularidade de se manter algo afastado dos registos puramente comerciais.
Talvez a maior exceção seja mesmo o remake do clássico western, “Os Sete Magníficos”, onde reencontra o cineasta Antoine Fuqua e o ator Denzel Washington, depois do memorável “Dia de Treino” (2001). Ele que recentemente lançou um novo livro e se colocou na pele do jazzman Chet Baker, em “Born to Be Blue”. Motivos de sobra para trocar impressões com este ator de 46 anos sobre cinema, mas também para perceber como gere o turbilhão da sua vida agitada e uma família com quatro filhos.
Parabéns pelo prémio de carreira. Depois de todos estes filmes e prémios, nomeação para um Óscar, livros e realização de filmes, o que continua a significar para si a representação?
Para mim representar é o centro da minha vida. Tudo o que sei sobre música e realização relaciona-se com a minha experiência enquanto ator. Nessa qualidade tive a oportunidade de estar junto de alguns dos maiores escritores, como o Tom Stoppard, o Sam Shepard, colaborei na escrita de guiões com o Richard Linklater… O trabalho de ator levou-me a lugares interessantíssimos.
O que o motivou a participar em “Os Sete Magníficos”?
Para mim, fazer “Os Sete Magníficos” foi uma ótima oportunidade pois nunca tinha participado num blockbuster, também por que não gosto da maior parte dos blockbusters. A possibilidade de participar num western de Hollywood, tendo o Denzel Washington como protagonista pareceu-me irrecusável. Deu-me a possibilidade de fazer um filme que passará em todo o lado. O que me permite ser mais reconhecido, para depois poder fazer mais filmes como esses que referiu. É um equilíbrio que tento sempre alcançar.
Tenta manter alerta o nível de curiosidade, é isso?
Tento manter-me o mais curioso possível. E procuro estar fora da minha zona de conforto. Neste momento, a representação está mais relacionada com o meu desenvolvimento enquanto pessoa. O que quero dizer é que, quanto mais velho fico, mais a minha imaginação se torna poderosa. É quase como uma meditação guiada. Aprendo muito com os papéis que interpreto. Adoro representar.
A que compara esta profissão?
Lembro-me de quando tinha 15 anos e que as pessoas começavam a falar-me de sexo. E eu dizia: “Bom, agora é excitante, mas não irá tornar-se aborrecido no futuro?” A verdade é que nunca fica! (risos) Passa-se a mesma coisa com a representação. Nunca é aborrecida. Acho que uma vida não é suficiente. A criatividade é como a natureza, é algo que não controlamos. Eu nunca fiz um filme como “Os Sete Magníficos”, só o fiz agora porque gosto muito do Antoine [Fuqua] e do Denzel [Washington].
Mas também se tornou numa grande estrela sem precisar de blockbusters…
Estava a hesitar dizer isto, mas vou dizer. Sabe qual era a mais excitante carreira da minha geração? A do Johnny Depp. Tinha a carreira mais interessante e estranha até fazer um blockbuster. Depois tornou-se uma personalidade de estúdio. Sinto falta dos filmes excêntricos da sua juventude. Mas espero que se esteja a divertir. E acho que o talento dele continua igual. Só as escolhas são diferentes. O mesmo se passou com o Nick Cage. Um dos colegas de profissão mais inteligente com a sua carreira foi o DiCaprio, pois percebeu, logo a seguir ao “Titanic”, como a sua presença mudava as coisas. No entanto, conseguiu manter o mesmo ethos e apenas o deslocou para filmes de maior orçamento. De certa forma, alterou a forma como as coisas se faziam, o que é algo difícil de fazer. Por exemplo, usou a sua credibilidade para aprovar orçamentos de filmes para Scorsese e outros. Isso foi brilhante.
Lembra-se do momento em que decidiu que gostaria de ser ator, de representar personagens?
Foi mais tarde do que possa supor. É verdade que, quando era adolescente, já me sentia algo atraído com essa possibilidade. Acho que todos os jovens gostam de se sentir especiais. O que eu achava era que a representação era o que usaria para me tornar num escritor. Não me imaginava naquele papel de ator de carreira. Mesmo depois do sucesso de “O Clube dos Poetas Mortos”. Entretanto formei a minha companhia de teatro, teria uns 23 anos, e fi-lo com um grupo de rapazes e raparigas da minha idade. Isto foi antes de “Jovens em Delírio”, e mais ou menos na altura de “Antes de Amanhecer”, pois o Richard Linklater teve um enorme impacto sobre mim. Ele estava muito interessado no que se passava no nosso tempo, com a nossa geração. Foi nessa altura que me fui apaixonando por esta ideia de ser ator.
Ecreveu um livro, “Rules for a Knight”, no qual se percebe a ligação que tem com os seus filhos. Acha que é um bom pai?
Quem pensa que é um bom pai provavelmente não é. Porque todos falhamos. Passamos a vida a falhar. Cada criança precisa de demasiado carinho e cuidado – e nunca conseguiremos ser o que pretendemos ser. Comecei a escrever esse livro num impulso. Depois do meu primeiro casamento acabar tive problemas de adaptação com os meus filhos. Porque uma separação é como perder um sonho, mas depois temos ainda de acautelar que os filhos não sofram também com isso. É que, às vezes, pensam que não aprovamos uma parte deles. É uma constante fonte de dor para eles. Escrevi este livro como forma de estar com eles, mesmo quando não estava. Para não me sentir um pai culpado. O livro foi para mim uma meditação sobre esses elementos. E também o escrevi como uma espécie de presente de Natal para amigos e família. Mas a resposta foi tão positiva que decidimos publicá-lo.
Imagino o seu desafio, logo com quatro filhos…
Sim, e de idades muito diferentes. Por isso, quando me perguntam qual o desafio de fazer este filme, respondo que nada se compara ao papel de ser pai. Hoje em dia, para mim, representar é como estar num spa (risos)… Cada um pede-me coisas completamente diferentes. Por isso, só posso perder. Se torno alguém feliz, deixo quatro tristes. Não sei o que fazer… (risos)
Como é que eles o encaram enquanto ator? Recebe elogios e também críticas?
Por exemplo, a minha filha de 18 anos [Maya Thurman-Hawke, filha de Uma Thurman – os outros são Levon Thurman-Hawke, de 14 e também da ligação com a atriz; e Ethan, de 8, e Indiana, de 5, ambos filhos de Ryan Haeke] gosta de gozar com o livro, porque diz que o meu nome é maior que o título do livro. (risos) Mas é saudável. Dou valor a quem não fica nada impressionado com o que faço.
Como sente este feitiço do tempo, da idade, de envelhecer? O que quer ensinar-lhes nesse processo?
Sabe, sempre que me sinto triste pela juventude perdida apercebo-me que envelhecer supera a alternativa. Não há alternativa à morte. Por isso, encaro envelhecer como o dom da vida e faz-me sentir bem, porque quando tinha 20, tinha 20; quando tinha 30, tinha 30. Vivi bem essas épocas todas. Só não vivi os 46 anos de agora! Tento pensar dessa forma. É mais complicado quando tentamos agarrar-nos ao passado. Há um momento que adoro em “Boyhood”, no final, quando a minha personagem fuma um charro com a rapariga e refere ideia de viver sempre o presente. Essa conversa relaciona-se com uma que tive com o Linklater. A verdade é que a minha geração era muito carpe diem, procurava aproveitar o momento.
Sim, algo que vem de “O Clube dos Poetas Mortos”, um filme que marcou, não só a sua, mas muitas outras gerações.
Claro, foi um filme marcante para mim e para a minha geração. Só que “Boyhood” diz que não é tão importante aproveitar o momento como deixar que o momento se aproveite de nós. É essa dualidade de aproveitar o momento, mas também de aprender a viver com o que temos que é importante. Ambas as ideias são verdadeiras. Nesse sentido, e para voltar à sua pergunta, não penso em envelhecer de uma forma negativa, penso mais no que tenho de aprender. De resto, conheci tantas pessoas mais velhas que me ensinaram tanto…
Só que os ditames da juventude de hoje são outros…
O problema é que a nossa cultura celebra demasiado a juventude. Oxalá colocássemos pessoas velhas na publicidade. Assim parece-nos que perceberíamos para onde ir. Hoje, com a obsessão de ter 20 anos, cria-se a sensação de que ao passarmos um quarto da nossa vida estamos já ultrapassados. E é ainda mais penoso para os jovens pois aos 18 anos percebem que têm de atingir todos os objetivos dali a três anos, aos 21, o que dá uma pressão enorme. Mas que objetivos poderemos atingir aos 21 anos? Nada de substancial.
A propósito de “Os Sete Magníficos”, um western, temos de falar de armas. O que lhe merece dizer a esse respeito à luz do que se passa na América?
Ok, mas isso não é para falar de “Os Sete Magníficos”, certo? (risos) A verdade é que não me parece que seja qualquer tipo de censura que ajudará a criar leis sobre armas. O que salvará a vida das pessoas será uma polícia que faça com que as armas saiam da mão dos jovens e dos loucos. Mas quando fazemos um western não podemos ter pessoas a apertar as mãos uns aos outros, pois não? (risos)
No seu entender quem são os Magníficos do poder de hoje?
Posso dizer-lhe o seguinte, e a propósito de “Os Sete Magníficos”, que é um remake de “Os Sete Samurais”, do [Akira] Kurosawa, mas este já era um remake do mito de “David e Golias”, dos fortes contra os mais fracos. Mas também de outras histórias em que um conjunto de pessoas ajuda outras. O que posso dizer acerca da ganância que está na génese desta história é que é algo que nos destrói a sociedade por dentro, e aqui falo das grandes corporações. E a forma de a superar é pela união de todos. Acho que foi por isso que o Antoine fez este filme. É um filme sobre fora-da-lei perdidos que encontram uma forma de redimir-se ao servir os outros. No fundo, em meu entender, esse é a lógica que preside à nossa vida.