Reino Unido. Como olha a esquerda para a reeleição de Corbyn?

Jeremy Corbyn foi reeleito líder do Partido Trabalhista com 61,8% dos votos. Paz Ferreira acolheu a notícia com entusiasmo, enquanto Soromenho Marques olha com “inquietação” o aparecimento destas figuras políticas. Manuel Alegre fala numa “queda” dos partidos de centro. Já Zorrinho diz que não votaria no britânico

“A nova vitória de Corbyn dá um novo alento à esquerda.” É assim que Paz Ferreira caracteriza a reeleição, neste sábado, de Jeremy Corbyn como líder do Partido Trabalhista britânico.

Para o professor universitário, que diz ter recebido a notícia com “grande entusiasmo”, Corbyn fez uma “demonstração espetacular de força” que pode levar os partidos socialistas e os partidos sociais-democratas a enveredarem por uma nova via. “Os partidos socialistas e sociais-democratas europeus habituaram-se a viver de uma forma em que se afastaram daquilo que são os interesses que deviam defender: os interesses dos mais desfavorecidos. Tornaram-se parceiros simpáticos para a direita, entendem–se no essencial dos princípios neoliberais e têm uma ideia de que ninguém quer ideias de esquerda”, explica o catedrático da Universidade de Direito de Lisboa. E acrescenta: “Hoje em dia, não se pode dizer que a social-democracia esteja muito viva.”

Manuel Alegre também é da mesma opinião. “Acho que há sobretudo uma queda das posições tradicionais dos partidos do bloco central”, diz o escritor ao i.

figuras políticas “atípicas” O antigo candidato presidencial pelo PS refere que se está a assistir a uma ascensão “dos partidos de extrema-direita e dos partidos mais à esquerda”, e que o aparecimento de figuras como Beppe Grillo em Itália ou Donald Trump nos EUA são o espelho de um descontentamento por parte da sociedade em relação às classes políticas. “Há uma descredibilização dos partidos do sistema. As pessoas estão cansadas de crise e da ausência de resposta por parte dos chamados partidos do sistema.”

Viriato Soromenho Marques vai mais longe. “Estamos a assistir ao aparecimento de figuras que falam diretamente ao coração dos eleitores, na medida em que se tornam a expressão do descontentamento e da busca por uma alternativa”, diz ao i, acrescentando que, nestes casos, a componente ideológica passa para segundo plano.

Estas novas figuras políticas, explica ainda o professor universitário, surgem numa época de “rutura” entre o eleitorado e os partidos políticos e da incapacidade de o eleitorado se sentir representado. “É um sinal de doença da nossa democracia”, acrescenta.

Tudo isto espelha um cenário “inquietante”: “São personalidades que, no momento em que lhes for confiada uma quantidade significativa de poder, podem ter um desempenho absolutamente imprevisível”, defende ainda Soromenho Marques.

Já João Torres, líder da JS, fala numa “desesperança generalizada na Europa”. “Há um vasto conjunto de pessoas que não se sentem representadas pelos responsáveis políticos e isso é válido em França, no Reino Unido. Desse ponto de vista, a esquerda precisa de fazer a sua autocrítica”, diz o líder da Juventude Socialista.

Transformação política Pedro Adão e Silva, politólogo e ex-dirigente do PS, explica que se está a viver uma “transformação do sistema partidário” na Europa. “O que está a acontecer é que, quando os partidos de centro- -esquerda não mudaram, no caso do PASOK ou do PSOE em Espanha, declinaram eleitoralmente. Os que estão a mudar, o que, apesar do tudo, é o caso do Labour e, em parte, do PS, estão ainda a resistir.”
Pedro Adão e Silva realça que esta transformação se reflete na “fragmentação política e partidária” a que tem vindo a assistir-se em vários países, como em Espanha, onde a “pulverização partidária” acaba por dificultar a formação de maiorias partidárias.

Estas transformações políticas também são apontadas por Carlos Zorrinho. “Há uma mudança na forma como as pessoas escolhem os seus representantes, como escolhem os seus líderes, a maneira como os partidos têm de se relacionar com as pessoas. Tudo isto está em ebulição e estamos a passar por uma fase de transição”, diz o eurodeputado.
Ainda assim, o socialista afirma que “o verdadeiro julgamento” de Corbyn apenas será feito nas próximas eleições. Mas a sua vitória expressa a vontade dos trabalhistas.
“Pessoalmente, se fosse inglês, não teria votado nele, mas não sou inglês nem militante do Partido Trabalhista. É preciso respeitar os militantes que o elegeram”, acrescenta.

anseios da classe média Pedro Adão e Silva defende ainda que a eleição de Corbyn reflete “um tipo de anseio político diferente do eleitorado tradicional de esquerda”.
O professor universitário fala mesmo numa “espécie de revolução silenciosa das classes médias e dos trabalhadores assalariados”. “O eleitorado tradicional do centro-esquerda, que eram os trabalhadores assalariados, está a ver a sua situação material, e do ponto de vista das aspirações sociais, muito alterada. Há uma espécie de frustração das classes médias que se tem traduzido de duas formas: ou fogem para outros partidos ou votam de forma excêntrica, como no Brexit”, explica ao i.

Eurico Brilhante Dias, deputado do PS, acredita que a vitória de Corbyn é o resultado da globalização económica e monetária. “O processo de globalização tem deixado de fora do mercado de trabalho e em condições mais precárias as classes trabalhadoras e as classes que vivem do seu salário. [A eleição de Corbyn] é um reflexo de que uma parte substantiva do eleitorado quer colocar em causa as opções políticas do main-stream”, adianta o deputado socialista ao i. Para Eurico Brilhante Dias, este é apenas mais um exemplo do que tem acontecido com os partidos socialistas e sociais-democratas por toda a Europa.