Para quem ficou acordado para assistir em direto ao mais esperado debate televisivo dos últimos anos, na madrugada de terça-feira em Portugal – segunda-feira à noite nos EUA –, e esperava ver o Donald Trump do costume, destravado e insolente, o mais provável é ter ficado desiludido com as imagens e os sons que lhe chegaram pela televisão.
Não é que o candidato republicano tenha sido sempre contido ou desinteressante ao atacar Hillary Clinton durante os 90 minutos da contenda. Mas a verdade é que Trump apostou (ou foi obrigado a apostar) numa postura mais defensiva, face à maior experiência da sua adversária neste tipo de confrontos, tornada evidente à medida que os minutos iam passando.
Durante o debate televisivo, que teve lugar na Universidade de Hofstra, em Nova Iorque, confirmaram-se duas visões claramente distintas sobre os Estados Unidos e sobre assuntos variados, como a política externa, a economia ou as questões raciais.
Cada um fez valer os seus trunfos, de forma prudente e sem sair fora de pé. Clinton mostrou um domínio mais aprofundado sobre os temas, sem se enervar, sorrindo e fazendo gala da sua experiência política. Mesmo não tendo deslumbrado, foi eficaz na gestão dos tempos em que teve de criticar Trump e de desenvolver os planos que tem para determinadas matérias. Hillary pôs em causa os méritos, como empresário, do candidato republicano, criticou as suspeitas, por ele levantadas, sobre o local de nascimento de Barack Obama e acusou Trump de discriminação racial, laboral e contra as mulheres.
“Este é o homem que chamou ‘porcas’, ‘preguiçosas’ e ‘cadelas’ às mulheres, e alguém que disse que a gravidez é um inconveniente para os empregadores”, condenou Hillary, já na reta final do debate, moderado por Lester Holt, da NBC News.
Quanto a Donald Trump, defendeu que foram “os 30 anos de experiência” de Clinton como política que levaram o país à situação de crise económica e política dos dias de hoje e, nomeadamente, à ascensão do autoproclamado Estado Islâmico, à “sobrevivência do Irão” e à fuga das empresas norte-americanas para a China ou para o México – uma das queixas que mais repetiu durante o debate e que prometeu combater com medidas protecionistas.
“A experiência que ela tem é uma má experiência”, acusou o candidato republicano, já depois de ter dito que a democrata “lutou contra o Estado Islâmico durante toda a sua vida adulta”, sem resultados aparentes, e que esteve envolvida “no pior acordo da história dos EUA”, o NAFTA, que engloba México e Canadá e tem como principal fim eliminar barreiras ao comércio entre os três países.
Pelo meio entrou numa discussão com o moderador sobre o seu alegado apoio à invasão ao Iraque, em 2003, e proclamou que irá resolver a questão do alegado tratamento abusivo da polícia contra a comunidade afro-americana com “lei e ordem”.
Embora tenha levantado a voz a Holt e interrompido Hillary 29 vezes, contra nove interrupções desta, Trump mostrou-se mais contido do que o habitual durante grande parte do confronto, quer tenha sido por ordens expressas da sua equipa de campanha ou mesmo pela prestação mais competente da sua adversária.
Simon Says, do site Politico, tem, no entanto, outra explicação: o grande adversário de Donald Trump foi o auditório. Isto porque, defendeu o jornalista, o magnata “não joga tão bem” fora de uma sala republicana. “Deem-lhe um ginásio cheio de ‘yahoos’ (…) com bonés de basebol ao contrário e ele deita as vigas abaixo”, escreveu Says num artigo de opinião. “Mas deem-lhe uma plateia onde deixem entrar democratas e independentes (…) [e] ele não joga tão bem”, rematou.
De qualquer forma, não parece que Trump tenha perdido adeptos tendo em conta o que se passou no debate, uma vez que uma eventual derrota não se deveu ao facto de ter metido os pés pelas mãos mas, provavelmente, a alguma falta de esclarecimento quando instado a descrever mais pormenorizadamente o seu programa eleitoral.
Os apoiantes de Trump não deixarão seguramente de o apoiar depois deste debate, e o mesmo se passará com os apoiantes de Hillary Clinton. Quanto aos indecisos, não se sabe. O próximo confronto entre os dois candidatos está marcado para o dia 9 de outubro e Trump já prometeu “ser mais duro”.
Imprensa consensual A sondagem apresentada pela CNN – na qual 62% dos inquiridos consideraram que Hillary venceu o debate – não difere muito da apreciação da maioria da imprensa norte- -americana e internacional. “Os golpes de Clinton puseram Trump na defensiva”, podia ler-se no “Washington Post”. “Trump mordeu o isco”, referiu a CNN. A Fox News, mais comedida, admitiu que “Clinton mostrou-se preparada”. Para os espanhóis do “El País”, “Clinton travou os ataques de Trump com a sua experiência”. E em França, o “Le Monde” sintetizou: “Clinton-Trump: a experiência contra a incoerência.”