Estas afirmações, com que me deparei em Coimbra, nas Escadas de S. Bartolomeu, têm a clara intenção de chamar a atenção, de quem passa, para o grave problema da violência doméstica, sobretudo a que termina com a morte.
Colocar «feminismo» e «machismo» no mesmo plano, pesando-os nos dois pratos da mesma balança, é um erro que, por vezes, é cometido em debates sobre o tema da violência doméstica. Porém, não devem nem podem ser comparados. Feminismo é, hoje, um movimento, uma convicção ou uma crença que visa defender os direitos da mulher em diversos planos – a igualdade no acesso a cargos de responsabilidade, ou, entre outros, o direito a receber o mesmo salário que os homens, quando desempenhem as mesmas funções. (Curiosamente, muitos se indignaram, recentemente, ao saber-se que as atrizes de Hollywood ganham menos que os atores, mas nunca se preocuparam com a diferença de salários noutras profissões…). É claro que o feminismo já passou pela defesa de outros direitos, muito mais básicos, como o acesso à educação, ao voto ou a ter casa própria. O feminismo é, pois, sobretudo, a defesa – por diferentes meios – de direitos da mulher, ao longo dos tempos.
Pelo contrário, o machismo não é a defesa de direitos coletivos, mas, antes, o exercício de pretensos direitos de superioridade individual do género masculino sobre o feminino, assente em preconceitos sociais que associam as ideias de «homem» e de «macho», embora, frequentemente, um macho seja tudo menos um homem…
O machismo, exercido, praticado e exibido como tal, assenta no frágil pressuposto de que a mulher «pertence» ao homem, e este pode dispor dela segundo a sua vontade. Tal como, frequentemente, o conceito de paternidade ou maternidade, infelizmente, assenta na convicção, errada, de que os filhos pertencem aos pais, só porque estes os geraram. Este é o pequeno grão de verdade – a procriação – de que, como acontece com qualquer mentira, a sociedade precisa para alimentar e justificar os seus «mitos», e, assim, sobreviver… Mas este é um outro assunto, igualmente complicado.
Está, pois, na convicção, interiorizada durante séculos, de que o homem é superior à mulher a justificação, aos olhos do próprio e, infelizmente, ainda aos olhos da sociedade, de atos bárbaros, de selvageria psicológica ou física, que, «todos os dias», mais lenta ou mais rapidamente, matam mulheres. Mulheres, estas, que calam um grito surdo, tão surdo como o que Munch imortalizou na sua famosa pintura, o tal «grito infinito» que o pintor disse ter ouvido «atravessar a natureza».
Terminar uma relação, minada desde cedo pelo conflito crescente, é um ato de coragem, que muitas mulheres não conseguem empreender, face ao deserto da solidão, ao peso da responsabilidade da maternidade, à pressão social para o aparente sucesso conjugal, ao reconhecimento inconcebível de fracasso pessoal na construção de uma relação ou, mesmo, à falta de coragem para afirmar, com Adília Lopes: «Se tu amas por causa da beleza, então não me ames! / Ama o Sol que tem cabelos dourados…»
Mas, colocar uma pedra sobre o passado, capaz de romper os grilhões da relação, é, tantas vezes, a forma teoricamente mais adequada de impedir que a pedra venha a ser lançada, com violência, contra a própria. É, talvez, a única forma de sobreviver e de dizer «Acabou». Até porque tudo, até os brandos costumes, têm limites.
Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services