Golfe diz adeus ao rei que fazia a terra tremer

Arnold Palmer foi o primeiro grande nome do golfe mundial, um fenómeno de mediatismo e máquina de fazer milhões. Morreu aos 87 anos.

Mais um rei que parte. Têm ido bastantes nos últimos anos, e no famigerado 25 de setembro, 15 dias depois de ter completado 87 anos, Arnold Palmer foi o último. Ao contrário do que aconteceu nos vários campos de golfe que pisou por todo o mundo: aí, durante largos anos, foi o primeiro. Sempre o primeiro. E por isso lhe chamavam ‘o Rei’. Mereceu o cognome até ao fim.

Há um antes e um depois de Arnold Palmer no golfe – ‘Jesus Cristo style’. Até ao aparecimento do rapaz de Latrobe, Pensilvânia, na segunda metade da década de 50, esta modalidade era vista nos Estados Unidos como exclusiva de homens de meia-idade e de classe média. Palmer, todavia, deu uma dimensão completamente diferente ao desporto dos tacos e dos buracos: o seu carisma levou multidões aos campos de todo o país para o ver jogar. E as câmaras de televisão adoravam-no igualmente – mas era recíproco, pois Arnie, como era tratado pelos fãs, adorava um bom microfone. Tratava-o bem, tinha sempre uma laracha pronta para soltar em direto – e simples de perceber para qualquer telespetador.

De repente, e por ação não só de Palmer, mas também de Jack Nicklaus e Gary Player – os ‘Big Three’ -, o golfe deixava de ser visto como um desporto elitista. Era agora uma modalidade mediática, com visibilidade mundial, e Arnold Palmer era o fenómeno para lá do fenómeno – no golfe, só o mais recente Tiger Woods se pode equiparar em termos de popularidade. Palmer chegou a entrar num episódio da série MacGyver, êxito tremendo de audiências nos anos 80 a nível mundial, além de ter participado num sem número de talk shows.

Mas esta loucura à sua volta justificava-se, acima de tudo, pela aura de vencedor que carregou durante toda a carreira. Do seu inesgotável palmarés constam sete vitórias nas provas mais importantes do circuito mundial: quatro no US Masters (1958, 1960, 1962 e 1964), uma no Open dos Estados Unidos (1960) e duas no British Open (1961 e 1962). Os triunfos no US Masters no Open dos Estados Unidos em 1960 valeram-lhe ainda a conquista do Hickok Belt, troféu atribuído ao mais destacado atleta profissional do ano nos Estados Unidos.

Quando o golfe vira poesia

A primeira prova, ganhou-a em 1954, aos 25 anos: o US Open em amadores, que o empurrou de forma definitiva para o profissionalismo. «O que as outras pessoas veem na poesia, eu vejo no voo de uma boa tacada», disse no fim da prova. Por esta altura, Palmer ganhava a vida a… vender tintas. A partir daqui, tudo mudou, e em 1960 juntou-se ao agente Mark McCormack, da IMG, na época ainda quase um desconhecido dentro da modalidade. Juntos, acabaram por atingir o topo do mundo, e em 1967 alcançaram uma marca mítica: Arnold Palmer tornava-se o primeiro homem a chegar ao milhão de dólares em prémios na PGA Tour.

Já multimilionário, comprou um clube de golfe próprio para o verão na Pensilvânia e outro para o inverno em Orlando, Flórida. Em publicidade, faturou milhões ao longo da carreira. «Quando ele dispara a bola, a terra treme», disse uma vez Gene Littler, golfista profissional contemporâneo de Arnold Palmer quando o ‘Rei’ ainda estava a despontar. O fim da carreira deu-se em 2006, a 13 de outubro. Palmer tinha 77 anos e afirmou então que o seu golfe estava a perder qualidade e que queria ficar recordado para sempre como um grande campeão. Conseguiu os seus intentos.

Em Portugal a desenhar

Paralelamente ao percurso enquanto golfista, Arnold Palmer construiu também uma imponente carreira como designer de campos de golfe, além de ser peça influente na concretização de inúmeros empreendimentos relacionados com a modalidade. Ajudou, por exemplo, a fundar o Golf Channel, em 1995, o primeiro canal de televisão norte-americano exclusivamente dedicado ao golfe. Foi também ele a negociar a construção do primeiro campo de golfe na China, que viria a surgir em 1984, baseado num projeto seu.

Ao longo da vida, Arnold Palmer desenhou mais de 300 campos de golfe em 37 estados norte-americanos e 25 países espalhados por cinco continentes – só não se aventurou por África… e Antártida, claro. E Portugal não escapou à sua ação: foi ele o designer do projeto que resultou no consagrado Oceanico Victoria, quinto campo de golfe construído em Vilamoura pela Lusotur Golfes, empresa liderada por André Jordan, comummente denominado o ‘pai do turismo português’ pelo trabalho que tem feito nas últimas décadas no Algarve.

Hoje, o Oceanico Victoria, carregado de lagos e árvores de fruto típicas do Algarve, é palco de um dos principais eventos do calendário europeu da PGA European Tour: o Portugal Masters. Mas Palmer já não está cá para ver mais nenhum – aos 87 anos, o coração traiu a figura mais singular da história do golfe. Da memória coletiva, nunca sairá.