Donald Trump atua sob um único grande ideal, o mesmo que o guiou na vida pessoal e pela sua diversificada mas nem sempre bem-sucedida carreira de empresário: tudo pode ser negociado. Trump aplica-o até às suas relações, escrevendo no seu primeiro livro – ou, melhor, pagando a alguém que escrevesse por ele – sobre «a arte do acordo pré-nupcial». Este princípio explica muita da ambiguidade das suas promessas e até pode ajudar a compreender como foi que alguém com tão pouco conhecimento chegou tão perto de ser presidente dos Estados Unidos. Trump pede que o vejam como uma espécie de um «trabalho em curso», um amador recém-chegado ao mundo da política prometendo desconstrui-lo com as mesmas artes de empreiteiro com que construiu a sua riqueza.
Evan Osnos escreve sobre como Trump estrutura todo o seu processo de decisão em torno deste princípio. «Governa-o, acima de tudo, a fé no poder supremo da transação – uma perversão abrangente do realismo que é menos a ideia de que os interesses devem superar os valores do que é acreditar de que os interesses não devem sequer ter valores», explica na New Yorker, num texto em que pensa uma possível presidência de Trump. Osnos, num exemplo extremo da fé que o candidato republicano deposita nas suas capacidades de negociação, conta uma história de como em 1990 tentou sugerir a um negociador de armamento nuclear o que ele dizia ser a receita para se chegar a «um acordo formidável» com os soviéticos: chegar atrasado, erguer-se sobre que, estivesse à mesa, espetar o dedo no seu peito e dizer, simplesmente, «vá-se foder».
Impõe-se a pergunta: quanto do que Donald Trump defende será verdadeiramente executado se ele chegar à presidência? Construirá realmente um muro com o México com dinheiro do seu próprio vizinho? Deportará milhões de pessoas nos seus primeiros dias, como promete? Renegociará os acordos de livre-comércio? Exigirá aos aliados da NATO mais dinheiro pela sua proteção? Proibirá a entrada de muçulmanos nos Estados Unidos? Eliminará o sistema de saúde quase universal elaborado por Barack Obama? Não existe uma resposta clara. Primeiro, porque o próprio Trump abandona muitas das suas propostas para em alguns casos retomá-las passados alguns dias. Depois, porque o presidente dos Estados Unidos não é plenipotenciário: existem contrapoderes, como o Congresso e o Tribunal Constitucional, desenhados precisamente para controlar um Calígula americano.
Perigo nuclear
Mas o advento de uma presidência Trump não é inteiramente obscuro. Uma investigação ao seu plano económico protecionista, por exemplo, que reclama impostos mais baixos para grandes empresas, pode custar quatro milhões de empregos norte-americanos, segundo o Center for Economic and Policy Research. A última versão do seu projeto antimigração, noutro exemplo, em que promete deportar os imigrantes ilegais com cadastro, pode atingir qualquer coisa como seis milhões de pessoas, de acordo com as contas feitas pelo Washington Post.
Trump tem outras ações ao seu alcance. A sua equipa de transição – ambos os candidatos têm uma – está a estudar ordens executivas assinadas por Obama que podem ser revogadas logo no primeiro dia por um Presidente Trump: coisas como anular a participação na Cimeira de Paris, por exemplo, acabar com o programa de acolhimento de refugiados sírios ou pedir ao Departamento de Comércio que revogue contratos comerciais com a China. Em Pequim, aliás, segundo escreve Evan Osnos, a linha de raciocínio é a de que o maior perigo em Trump é a sua imprevisibilidade.
Aqui reside o receio mais palpitante sobre Donald Trump. Não há nada que o Congresso ou o Tribunal Constitucional possam fazer para evitar um ataque nuclear preventivo lançado desde os Estados Unidos. O processo não coloca quase nenhum obstáculo ao presidente: foi pensado para situações extremas, mas não para um líder como Trump, que se gaba de tomar decisões por intuição. Como ele explica no seu livro “Pense como um bilionário”: “Surpreendem-se pela rapidez com que tomo decisões importantes, mas aprendi a confiar na minha intuição e a não pensar demasiado sobre as coisas.”