Bruno Pernadas. Como consegues ser tão bom?

“Those Who Throw Objects At The Crocodiles Will Be Asked to Retrieve Them” e “Worst Summer Ever” são dois discos de universos distintos que o músico acaba de editar.

Há uma cena a meio do filme “Bullitt”, de 1968, realizado por Peter Yates, em que o detetive Frank Bullitt – interpretado pelo ator Steve McQueen – vai jantar fora no final de um dia de trabalho. Senta-se à mesa ao mesmo tempo que começa a tocar a banda residente do restaurante. Galã e sedutor, Bullitt troca olhares com uma bela mulher que lhe sorri de volta. Tudo isto ao som de um quarteto de flauta, guitarra, contrabaixo e bateria a desenhar uma sonoridade jazzy-lounge. Esta cena num restaurante de São Francisco no final da década de 1960 é-nos recordada pelo músico Bruno Pernadas, já que teve um importante papel no desenho de um dos seus dois novos discos, “Those Who Throw Objects At The Crocodiles Will Be Asked to Retrieve Them” – já lá vamos ao segundo. Foi pela inspiração daquele quarteto, que interpretava “Cantata for Combo”, do argentino Lalo Schifrin, que tudo começou a nascer. “Lembro-me que essa música não tinha nada a ver com a ‘Spaceway 70’”, tema que abre o disco de Pernadas, depois de um curto poema. “Mas, não sei porquê, essa melodia ficou-me sempre registada. Queria transpor aquele ambiente daquele restaurante de alguma forma. Queria que o disco começasse assim, que introduzisse a sonoridade geral do disco.”

Pernadas é um músico de várias facetas: a folk, o space-pop, o afrobeat, o rock e muito jazz – “Worst Summer Ever”, editado agora, a par de “Those Who Throw Objects…”, é um álbum de jazz puro e duro. Mas ele é sobretudo um compositor de gosto clássico e os álbuns denunciam-no. Nas melodias elaboradas, nas vocalizações e arranjos rendilhados.

 

Nunca mais parou Nascido e criado nos subúrbios lisboetas, entre a Amadora e Benfica, Bruno Pernadas estudou música desde criança. “Assim que comecei a ter aulas de guitarra clássica, percebi que era o que queria fazer. Conseguia sacar de ouvido uma ou outra canção, mas ouvia jazz e bossa nova e não conseguia tocar. Havia uma espécie de barreira limitativa. Lembro-me de conseguir sacar ‘Meu Caro Amigo”, do Chico Buarque, e sair-me a custo! Foi como querer construir um móvel perfeito sem usar um martelo”, ri-se. E o que motivava o pequeno Pernadas, com 11 ou 12 anos, para a música? “Queria muito aprender a tocar guitarra para tocar as músicas de que gostava”, responde. “Como não sabia tocar guitarra, comecei a fazer música.”

E até hoje nunca mais parou. Por ser tão versátil, Bruno Pernadas tem sido companheiro de estúdio e palco de projetos e artistas como Real Combo Lisbonense, Walter Benjamin, Minta & The Brooktrout ou os Julie & The Carjackers, banda que tinha com João Correia.
É um caldeirão de múltiplas influências que acabam por se traduzir na criação. O primeiro disco a solo, editado em 2014, chamou-se “How Can We Be Joyful In A World Full Of Knowledge?” e revelou-se uma surpresa que deixou os mais desatentos a salivar com o frenesim criativo de Pernadas. Agora já não nos apanha desprevenidos, mas ainda nos espanta com tamanha unidade nas composições. “Tem muito que ver com pequenos fascínios. Claro que há a sempre a componente harmónica e os ambientes. Mas o que une as minhas produções é sempre a componente melódica. Tirando raras exceções, eu não consigo gostar de um grupo quando não gosto das melodias ou da progressão harmónica”, explica. “Uma canção é boa quando lhe despimos todos os ingredientes e a música, só com acordes e melodias, fica a soar bem.”

Este segundo disco de Bruno Pernadas revela-se maior. Não se trata de maior ou menor maturidade, mas sim uma outra dimensão. Há mais gente a tocar – no total foram 11 músicos a gravar “Those Who Throw Objects…”. Num outro ponto distinto está o seu novo disco de jazz, “Worst Summer Ever”. Nem sequer são irmãos, apesar de terem o mesmo pai. “É um disco de jazz mais moderno, contemporâneo, com muitas influências de rock. É um álbum agressivo. Mas também é porque são canções escritas há mais tempo, em 2009 e 2010, que eu não queria que ficassem perdidas. Se fosse a fazer um disco de jazz em 2016, seria diferente. Neste momento, o jazz que mais me agrada – ouvir e tocar – é mais livre. Já não tenho paciência para estar a ver vídeos de guitarristas virtuosos, como fiz com os colegas do Hot Clube, a estudar técnicas e exercícios.”

 

Mão-de-obra especializada Além de compositor, Pernadas também dá aulas de música, quer no Hot Clube quer a particulares. “Até às crianças eu gosto de dar aulas. E aprende-se muito!_Só não gosto de quando há falta de interesse, entusiasmo e encantamento. Não consigo perceber quando encolhem os ombros e dizem que não tiveram tempo quando, na verdade, estiveram a aproveitá-lo de outra forma.”

Diz ter uma relação unicamente emocional com a música, ainda que “a música, enquanto mutação e enquanto estrutura, tenha sempre um lado matemático”. Pernadas é o que se pode chamar músico profissional que até casamentos faz com um amigo. “Nem ensaiamos nem nada. Agora só levamos as pautas no iPad e lê-se a música à primeira”, sorri._“Faço isso para poder viver! É um trabalho. Sou, como diz um amigo, mão-de-obra especializada. Se me ligassem para ir tocar música ligeira no domingo a um casamento, tipo Dino Meira ou Marco Paulo, eu ia! Nós só tocamos jazz e MPB, mas num casamento que fomos fazer à Comporta tivemos de tocar ‘What A Wonderful World’. A música já é assim [franze o sobrolho], com o arranjo que fizemos ficou meio cheesy”.