Mais do que uma característica vocal, a “fanhosez” (real ou por mim imaginada?) de Bob Dylan é uma qualidade estilística alimentada por uma recusa, um a contrapelo de quem sabe, muito conscientemente, conter-se na efusão do sentimento e, até, “desmentir” no cantar a palavra que canta.
Não que ele desminta a palavra a nível do conceito e da “mensagem”. O que acontece é que Dylan a rejeita como lugar-comum cantabile, como repositório-comum de sentimentos pré-catalogados e como air de bravoure. Diríamos que Dylan não maiusculiza nada. As massas verbais que, sem ornatos, debita dão conta de muita coisa bela, grande, divertida ou terrível, mas a força comunicante do trovador está, principalmente, no partido que ele tira da monotonia, repetição e progressão “fanhosas” de um texto maravilhosamente aliado à música. Este é um caminho de voluntária pobreza.
Um mínimo de suporte e de efeitos, para um máximo de comunicação verbal. “Sentir? Sinta quem ouve!”, apetece dizer, parafraseando Fernando Pessoa, a propósito do discurso de Bob Dylan.
Isso a que eu chamo de “façanhez”, que musicalmente deve ter uma explicação, muito em particular no campo da balada, ganha em Dylan as características um estilo. Para muitos, tal estilo não passa de maneirismo. Mas Dylan sabe, com e depois de Woody Guthrie, de Pete Seeger e Brassens, que a palavra só move mundos quando é entendida na sua integridade. E Dylan é, também, um excelente poeta, isto é, alguém capaz de entender que “o lirismo é o desenvolvimento de um protesto”.
Do “fanhoso” do Minnesota não se poderá dizer, como Flaubert de um cantor de ópera sua criatura: “Havia nele algo de cabeleireiro e de toureiro”.
Ponham nele os ouvidos certos baladeiros portugueses e espanhóis que fazem das palavras vazadouros das mais simplesmente sentimentos.
in Jornal “A Capital”,
1 de Janeiro de 1974