O político, o sexo e o escândalo

Trump sofre com o cerco aos seus comentários sexuais. Mas Mitterrand, que tinha uma família paralela, escapou.

É ainda difícil avaliar toda a dimensão do impacto que o recente escândalo sexual terá sobre a campanha de Donald Trump. Para já, parece estar a minar a confiança dos eleitores no candidato republicano, mas, de acordo com o cientista político Brandon Rottinghaus, este tipo de escândalo pode ter efeitos positivos. Em todas as campanhas presidenciais que Rottinghaus estudou desde a década de 90, as alusões a comportamentos sexuais repreensíveis de um candidato, embora prejudicassem a angariação de fundos, aumentavam as suas possibilidades de vencer. «O escândalo pode aumentar a exposição do candidato – os eleitores prestam mais atenção à corrida graças ao escândalo e começam também a estar mais atentos ao candidato: podem até gostar do que vêm (fora o escândalo)», escreve Seth Masket, descrevendo o estudo de Rottinghaus. O mesmo já não parece acontecer para cargos abaixo da presidência: uma outra análise argumenta que um escândalo pode custar qualquer coisa como entre seis e 11 pontos percentuais a um candidato ao Congresso.

«Quais devem ser os critérios mediáticos para reportar – e os critérios dos eleitores para punir – um mau comportamento sexual de um político?», perguntava, em 2011, David Greenberg, na revista Atlantic. Greenberg concluía ser difícil definir «o que é um comportamento sexual punível» dado «os nossos próprios critérios estarem em fluxo».

Bill Clinton parece ter beneficiado desse fluxo, como, do outro lado do Atlântico, antes dele Mitterand, e depois dele François Hollande. Donald Trump, contudo, sofre hoje nas sondagens como nunca antes na sua invulgar carreira política, por terem sido divulgadas imagens de 2005 em que afirmava, quando pensava que ninguém o ouvia, que podia beijar e apalpar mulheres sem autorização.

O cerco continuava ontem, à medida que mais mulheres revelavam já terem sido vítimas sexuais de Trump. O impacto na sua campanha surpreendeu muitos observadores, que pensavam que o candidato era imune às leis normais de campanha e que mais ou menos palavras indevidas não o prejudicariam como a um político tradicional. E é nesse ponto que essas pessoas estão erradas, argumenta Mark Joseph Stern na Slate. «Trump gaba-se de beijar mulheres e agarrar os seus genitais sem consentimento. Na maior parte do país, incluindo os estados onde Trump vive e trabalha, isso é uma agressão sexual. E se ele estava a dizer a verdade naquela gravação, pode ser julgado e condenado por muito tempo».

A «augusta tradição da discrição francesa»

Estudos sugerem que escândalos financeiros são muito mais penalizadores do que os sexuais tanto na Europa como nos Estados Unidos, especialmente quando pelo meio existem alegações sobre abuso de poder. Quanto aos sexuais, o Velho e o Novo Continente têm diferentes tradições na forma como lidam com as consequências de revelações incómodas. François Hollande recusou-se praticamente a responder a perguntas sobre o seu caso amoroso com a jovem atriz Julie Gayet, quando, em janeiro de 2014, as capas das revistas francesas se encheram de fotografias suas de capacete, numa scooter, a caminho da casa da amante. Valérie Trierweiler, em todos os sentidos a primeira-dama francesa na altura – ainda que não fosse casada com Hollande – deu entrada num hospital parisiense ao saber do caso. Estava profundamente deprimida. No entanto o Presidente não fez qualquer dramático pedido de desculpas na televisão. Pelo contrário.

«Assuntos privados devem ser tratados em privacidade», ripostou Hollande aos jornalistas na grande conferência de imprensa anual no Eliseu, que decorreu apenas dias depois de o caso explodir na imprensa. O Presidente arrumou o assunto em duas perguntas, muito porque do outro lado estava uma imprensa igualmente relutante em abordar o caso. Os jornalistas perguntaram sobre o estado da saúde de Trierweiler e se não era irresponsável viajar sem o aparato de segurança nacional e passar a noite no apartamento desprotegido da sua jovem amante.

À superfície, o caso resolveu-se com a habitual subtileza dos franceses. Era, afinal de contas, o país de François Mitterrand, que chegou a Presidente quando já levava sete anos de vida paralela com uma outra mulher e filha. Quase todos os jornalistas conheciam o caso, mas nenhuma grande publicação o abordou até quase ao final da sua vida, em 1994, quando era já considerado um dos mais importantes e bem-amados presidentes da história francesa. Hollande, apesar desse precedente, viveu uma cobertura muito mais exaustiva e pessoal do seu caso amoroso do que alguma vez Mittterand fez em vida.

O tumulto mediático em torno da infidelidade de Hollande levou a que do outro lado do Atlântico se questionasse se o livro tácito da vida sexual dos políticos franceses não teria mudado. «Será que toda a agitação em torno do caso amoroso de Hollande com uma atriz jovem e bonita é mais um sinal da americanização da vida francesa?», lançava Alexander Stille, na New Yorker. «Quererá dizer que a tradição augusta da discrição não pode sobreviver no mundo globalizado e ultra transparente das notícias web?», continuava Stille, sugerindo que a grande imprensa nacional só pegou no caso porque antes o mundo online o fizera.

Clinton saiu da Casa Branca com aprovação de 65%

A pergunta parte da ideia de que o escândalo na vida política americana é mais destruidor do que na cultura europeia. Não há nada que o prove, mas existe essa perceção. Mesmo diante exceções como a de Nicolas Sarkozy, por exemplo, que nos seus dias de presidência mudou as regras da política francesa, ao falar abertamente – por vezes forçosamente – sobre a sua vida amorosa. Ainda assim, foi Bill Clinton – e não Hollande, Sarkozy ou Mitterrand –, quem esteve perto de ser destituído da presidência e teve de falar ao país ao lado de uma sisuda Hillary Clinton, quando Monica Lewinsky conseguiu provar que os dois se tinham envolvido sexualmente. Clinton viria a ser novamente atirado para o centro da campanha americana no passado fim de semana, quando Donald Trump, ele próprio acossado pelos seus escândalos sexuais, disse que o antigo Presidente também foi «abusivo com mulheres». Apesar de tudo, o marido da candidata democrata saiu da Casa Branca com uma taxa de aprovação de 65%, mais do que qualquer outro Presidente americano desde o fim da II Guerra.