Os Srs. Continente e Pingo Doce

Belmiro de Azevedo fez o Público. Alexandre Soares dos Santos fez a Fundação Francisco Manuel dos Santos. São dois dos maiores democratas portugueses.

Há dois mundos. Um popular, maioritário. É o mundo das televisões generalistas, do entretenimento, das telenovelas, dos jornais e revistas que falam dos protagonistas da vida mediática e social. Tem os seus deuses, os seus heróis, os consagrados, as estrelas em ascensão, as estrelas em queda. É uma realidade sem política. Neste mundo, a política só entra quando há um escândalo ou graves suspeitas de corrupção.

É um mundo bastante distorcido, onde é normal gritar aos sete ventos que todos os políticos são bandidos, ou fabricar conquistas em série de mulheres de sonho por homens obviamente gays.

Ora, tem de haver limites para a mistificação: nem todos os políticos são bandidos, nem todos os heróis nacionais são heterossexuais.

Depois, há um outro mundo, elitista, minoritário. É o mundo dos canais do cabo, de canais noticiosos, de jornais, revistas e conferências, onde se discute a política e onde se aceita com naturalidade a divisão esquerda/direita. 

Belmiro de Azevedo resolveu gastar dinheiro num jornal diário para as elites. Conseguiu-o, mas rapidamente se converteu num jornal de esquerda. Nos últimos anos, então, não houve causa ultraminoritária que não encontrasse ali guarida. O Público está para o Bloco de Esquerda como os No Name Boys estão para o Benfica: quando esmorece o ânimo ou faltam as pernas aos rapazes, a claque está lá para puxar por eles.

Um grande capitalista, um grande empresário, paga muito dinheiro para manter um jornal que bate em tudo aquilo em que o homem acredita e defende. Das duas, uma: ou é esquizofrenia ou é patriotismo.

Alexandre Soares dos Santos, um dos homens mais ricos do país, tem uma inclinação idêntica: fez a Fundação que, entre várias coisas, criou a Pordata, edita livros às dezenas e faz conferências. Em suma, um excelente trabalho.

Nas conferências há sempre uns autores de extrema-esquerda que lá vão pregar as alegrias do comunismo, do anarquismo ou da simples saída da União Europeia. Sentado na primeira fila, o homem ouve em silêncio os dislates pagos pelo seu dinheiro.

Na semana passada, a Fundação Francisco Manuel dos Santos trouxe a Portugal Vargas Llosa para falar de democracia. Foi candidato presidencial ao Peru, tendo perdido para um ditador. É Nobel da Literatura. Aliás, o último livro que escreveu, Cinco Esquinas, passa-se nesses anos de chumbo da ditadura de Fujimori.

Vargas Llosa falou durante uma hora. Os políticos não apareceram. A esquerda da cultura, sempre tão prosélita, não pôs lá os pés. Os jornais populares não quiseram saber, os jornais sérios não ligaram. Foi uma lição.

Neste momento, Portugal, democraticamente, não se recomenda. Vigora a ditadura do pensamento único de esquerda. São precisas mais pessoas com capital e com coragem para pagar jornais, conferências, eventos onde se pratique a liberdade.

sofiarocha@sol.pt