Já apresentaram uma versão da peça “Marx in Soho”, escrita em 1999 pelo historiador Howard Zinn (1922-2010), que teve o nome de “Marx na Baixa”, em que pretenderam dar a conhecer a densidade humana e a atualidade das paixões e motivações do homem que escreveu “O Capital” e que redigiu aos 27 anos, com Engels, o “Manifesto Comunista”. A sua segunda peça foi “Homem Morto Não Chora”, a última entrevista de um ministro em tempos de privatização e tendo como mote a frase de José Saramago: “Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho”. E finalmente esta última produção, em vésperas dos 100 anos da Revolução de Outubro, “A Última Viagem de Lénine”, começa num sonho que leva o líder da revolução a viajar para Lisboa: “Quando, em 1924, Lénine embarcou no comboio rumo a Lisboa, esperava encontrar um médico que o curasse da doença que lhe destruía o corpo e a mente. O que não esperava, era sair em 2016 e descobrir que, passado um século, o nosso mundo mudou tão pouco. Noventa e nove anos depois da revolução que abalou o mundo, chega uma peça de teatro político que promete abalar os teatros com uma homenagem à Revolução de Outubro que traz para os nossos dias o verdadeiro Lénine: humano, generoso, destemido e revolucionário.”
No seu manifesto, o coletivo Não Matem o Mensageiro deixa as suas intenções de fazer um teatro político em que o humor e a ironia nos levem a repensar o tempo de hoje: “A contradição é aparente: na sociedade em que tudo é encenado, o teatro está a morrer. Mas se a política, a rotina e a vida é teatralizada, se nos secundarizam num personagem menor, ou mero espetador, porque interessa tão pouco a arte do teatro? O poder baniu a verdade dos jornais e das televisões, dos orçamentos e dos procedimentos concursais, instituindo um imenso monopólio de mentiras fingidas e verdades dissimuladas que imita o teatro e que, ao mesmo tempo, o destrói. Aos poderosos não interessa a intensidade da verdade transbordante e a emoção palpável do palco, cuja natureza teatral é assumida. Prefere a ilusão do real, a informação espetáculo, o entretenimento entorpecedor. Importa por isso combater o fingimento dos falsos com teatro genuíno, responder à Sociedade do Espetáculo de Debord com o Teatro do Oprimido de Boal. Nem todo o teatro precisa de ser político. O nosso será”.
Do coletivo participam na peça André Levy, que faz de Lénine; António Santos que escreve o texto e Mafalda Santos que é responsável pela encenação. Tanto André Levy como António Santos começaram-se a interessar por teatro nos EUA. André é doutorado em Biologia Evolutiva, leciona e faz investigação no ISPA-IU (Lisboa). A sua formação em biologia foi influenciada pelo pensamento de Marx quer diretamente quer através de eminentes biólogos marxistas, como Stephen Jay Gould ou Richard Lewontin. Começou a apreender e praticar teatro durante o doutoramento, num teatro comunitário – Theatre Three, em Port Jefferson, Nova Iorque – onde atuou numa diversidade de produções, incluindo peças infantis, musicais, teatro de improviso, e peças de Shakespeare. Num café junto a Santa Apolónia, com a barba pintada de ruivo, por causa da peça, afirma que “o teatro foi algo que apareceu por uma questão de manter a sanidade mental enquanto estudava”. António Santos, jornalista de profissão, que também viveu nos EUA, é autor do texto. Para fazer a viagem de Lénine a Portugal leu muitos livros e documentos para darem uma perspetiva densa, temperada com humor e ironia, do revolucionário russo. “Acho que as pessoas vão ficar surpreendidas com quem era Lénine, descobrimos alguns pormenores quase desconhecidos”. Mafalda Santos é, dos três, aquela que tem como “profissão” o teatro. Licenciada em Teatro pela Escola Superior de Teatro e Cinema, trabalhou com encenadores como Rogério de Carvalho, Carlos Avilez, José Wallenstein e Pedro Luzindro. Para Mafalda, descobrir o talento de Levy é motivador, “agora que o descobrimos, não vamos largar mais”, diz rindo. Uma peça só com um ator em palco é um desafio, no caso desta viagem de Lénine, o contraponto é dado por dez vozes de pessoas que compartilharam os palcos da história com o revolucionário. Uma peça que pretende ser uma afirmação política que permita escutar as vozes da história, muitas vezes silenciadas.