Do outro lado estiveram mais três equipas de músicos que levaram até ao Coliseu dos Recreios um espetáculo vibrante e inovador em quatro palcos instalados nas bancadas da sala lisboeta. Havia a promessa de competitividade, mas também a certeza de que algo bonito ia sair deste primeiro encontro entre quatro universos musicais distintos: a crew Moullinex Live Machine, de Moullinex, Xinobi, Da Chick e The Legendary Tigerman; a crew Batida + Kambas e o Próprio do Kota!, com Batida, DJ Satélite, Karlon os dançarinos André e Gonçalo Cabral e Bernardino Tavares e Bonga; e a Matilha, com DJ Ride, os MGDRV e Jimmy P.
O coletivo Club Atlas, formado por antigos membros dos Buraka Som Sistema e também pelo ex-Da Weasel Carlão, levou a melhor apenas na última das quatro rondas: aquela que tinha uma maior duração – 15 minutos – e que valia mais pontos na classificação. Até essa altura, o quadro estava muito empatado. A primeira ronda que valia pontos tinha sido ganha pela crew de Batida; e a segunda pela de Moullinex.
Esperavam-se algumas surpresas, mas o que aconteceu na sala lisboeta pode muito bem ter superado todas as expectativas. Cada crew preparou as quatro rondas de forma exímia, tanto do lado musical – com versões novas para todas as interpretações – como do ponto de vista do espetáculo.
Ouviu-se de tudo um pouco no Coliseu: desde “So Get Up”, enorme êxito da house music dos anos 1990 criado pelos Underground Sound of Lisbon – com voz do californiano Ithaka; passando pelos êxitos dos Da Weasel, como “Retratamento”- em versões drum ‘n’ bass cantadas por Carlão – e “Tás na Boa”, interpretada por Mike El nite, convidado de Moullinex. Escutou-se “Fight For Your Right”, dos Beastie Boys ou “Let's do the bird all night long”, de Legendary Tigerman. Passaram-se mixes de “Tony Montana”, de Future e Drake, com “Panda” de Desiigner; mas também clássicos da música angolana como “Comeram-me a Fruta”, de Bonga – com o cantor sentado a tocar dikanza – e faixas do disco de Batida, como “Bazuka” com mensagens cantadas e dançadas diretamente para o presidente angolano José Eduardo dos Santos, ou o rap crioulo de Karlon (MC dos Nigga Poison).
Também eram esperadas algumas saudáveis provocações. É algo que faz parte de uma competição como esta e o próprio espírito do rap, fomentado pela Matilha, aumentou o índice de “bocas” – beefs, como se costuma dizer no hip hop; ou então, em angolano, estigas. “Agora é altura de deixarem os homens crescidos atuar”, gritou o rapper Jimmy P. Kalaf, da crew de Branko, respondeu a dizer que exigia respeito, acusando a turma de DJ Ride de ter levado até ao Coliseu dos Recreios uma “playlist da Rádio Cidade”. Skillaz, dos MGDRV – e irmão de RIOT – voltou morder os calcanhares à Club Atlas: “Kalaf, já andas nisto há muito tempo, mas ainda não aprendeste a dançar no tempo!”
Foi também uma noite de muitos convidados. Sobretudo na última e decisiva ronda – aquela em que as quatro crews podiam explorar mais essa vertente. A Matilha chamou até ao seu palco vários nomes do universo hip hop, como Valete e Capicua. Batida pediu aos Konono Nº1, o grupo de Kinshasa, no Congo, para partilharem com ele, de improviso, o seu palco. Moullinex preparou um verdadeiro arraial para a sua última atuação, onde interpretou durante 15 minutos o seu tema “Take my pain away” acompanhado por um coro de gospel – com Selma Uamusse na liderança, acompanhada por Marta Ren – e uma escola de samba de Alhos Vedros, no Barreiro.
Mas foi com a última atuação que a Crew Atlas levou o troféu para casa. Nos 15 minutos regulamentares juntaram-se ao coletivo Nelson Freitas, para cantar “Bô Tem Mel”, Richie Campbell e ainda uma gravação de Fat Joe para dizer que o Club Atlas estava imparável: “Nothing can stop Altas all the way up".
O sonómetro que registou os vencedores de cada ronda apareceu nos ecrãs pela última vez para dizer que a equipa de Branko tinha atingido os 114,7 decibéis em aplausos e gritos, contra os 113,3 de Moullinex. A Matilha chegou aos 111,7 decibéis e Batida ficou-se pelos 111.
No final da noite, já passava da 1h30 da manhã, João Barbosa, mais conhecido como Branko e líder da crew Club Atlas, mostrou-se muito feliz com a vitória da sua equipa, mas, sobretudo, com a noite. “Foi muito divertido, com todos os coletivos a mostrarem as suas diferentes formas de estar”, começou por dizer. “Existem várias formas de estar nesse conceito. É natural que se crie uma fricção para que as pessoas tenham vontade de votar e valorizar. Mas senti que cada um estava a jogar um bocadinho do seu jogo e isso é uma coisa que ainda vai poder crescer”, acrescentou. “Foi ótimo e super inovador, mas creio que poderia ter ter havido um diálogo mais próximo para fazer crescer o conceito.”
Foi uma noite de sorrisos. Pedro Coquenão e a crew de Batida ficaram a saudar o público lá de cima do palco e a distribuir apitos. Moullinex, com a camisa colada ao corpo de tanto suar, caminhava de passos largos para os bastidores com um sorriso de orelha a orelha. Também ele se sentia um vencedor: “Estou muito feliz”, desabafou em jeito de flash interview. “Correu como planeámos e fizémos tudo o que queríamos.” Lá do palco, Luís Clara Gomes já tinha pedido à plateia para disfrutar daquele momento que se vivia no Coliseu: uma celebração da música portuguesa.