“A culpa é vossa”

Não podemos radicalizar e extremar tudo em polos opostos, acreditando que, na vida, e na sociedade, apenas é possível a utopia ou o caos.

Por vezes, infantilizamos a nossa relação com o real, culpando os pais, os irmãos, os colegas, o destino, o acaso por aquilo que nos acontece. É muito mais fácil quando conseguimos isolar um acontecimento como quem isola um vírus, que é preciso erradicar. Aí, então, procuramos um culpado externo, para que nele possamos projetar toda a nossa tristeza, a nossa raiva, a nossa ira e, assim, nos libertarmos de um sentimento que, pensamos nós, só nos poderia ser prejudicial – a culpa.

Esta acusação, encontrada em Tomar, é um reflexo daquilo que constantemente fazemos ao longo da nossa vida – procurar um culpado, porque aceitar a evidência de que somos nós os únicos responsáveis pelo que fazemos com a vida é demasiado difícil e teria como consequência última termos efetivamente de tomar a vida em nossas mãos. Temos, pois, de saber reconhecer, como Antero de Quental, que: «Se nada há que me aqueça esta frieza, / Se estou cheio de fel e de tristeza… / É de crer que só eu seja o culpado!»

Mesmo quando a culpa a que se refere esta mensagem se trata de culpa política, a culpa não é nunca apenas «vossa», é sempre de cada um de nós, seja porque votámos neles, seja porque nada fizemos para que todos os outros votassem neles. Seja em que caso for, temos de parar de culpar os outros e assumir a nossa própria responsabilidade. Se somos nós que os elegemos, temos de ser nós a dialogar com eles, a exigir que nos prestem contas e que demonstrem a evidência das suas decisões e dos seus benefícios. Porque, no fundo, eles são nós, eles fazem parte do nosso país, eles são também objeto das suas decisões. O problema é quando, como diz José Mário Branco numa canção de 1979 intitulada FMI – e em que, repetidamente afirma: «a culpa é vossa» – «há culpa de todos em geral e não há culpa de ninguém em particular».

Nesta, como em todas as outras esferas da nossa vida, temos de ter a coragem de aceitar as consequências, tanto dos nossos erros como das nossas vitórias. Como afirmou, recentemente, ao Jornal de Letras, o compositor Vasco Mendonça, a propósito da sua ópera «Bosch Beach»: «Somos ao mesmo tempo culpados e inocentes. E para mim essa ambiguidade é mais interessante porque nos obriga a pensar sobre essas questões e sobre a nossa conduta».

E este é outro aspeto relevante que, por vezes, menosprezamos: a importância que as nossas vitórias e a nossa força têm como exemplo mobilizador. Temos de aceitar que, no fundo, somos bons, fazemos bem o nosso trabalho, somos bons pais, bons filhos, cidadãos preocupados, e que aquilo que fazemos bem tem consequências positivas em nosso redor.

Não podemos radicalizar e extremar tudo em polos opostos, acreditando que, na vida, e na sociedade, apenas é possível a utopia ou o caos.

Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services