As exposições “Visualidade & Visão – Arte Portuguesa na Coleção Berardo II” e “Fernando Lemos – Para um Retrato Coletivo em Portugal, do fim dos anos 40”, que abrem portas hoje, podem ser as últimas mostras do Museu Coleção Berardo. Esta é, pelo menos, a preocupação do diretor artístico do museu. “Não existe programação a partir de 31 de dezembro de 2016, data em que termina o protocolo entre a Fundação Berardo e o Estado. Não tenho qualquer programação pensada para 2017”, afirmou Pedro Lapa, durante a apresentação à imprensa das referidas exposições.
“Está neste momento em curso a renegociação do protocolo para a manutenção do museu, mas não tenho novidades. Não fui chamado sobre este assunto, mas eu também não sou político, sou um técnico.” Apesar desta chamada de atenção, Pedro Lapa procura manter o otimismo e diz que não vê razão para o museu não abrir normalmente a 2 de janeiro. “Acredito que vai ser celebrado o protocolo. Não vale a pena criar cenários catastrofistas porque não acredito que não haja um desfecho positivo”, diz, acrescentando porém que “a situação já deveria estar resolvida há muito tempo. O Comendador já anda a falar disto há mais de um ano, ainda antes deste governo subir ao poder, mas isto foi escorregando, escorregando, escorregando.”
Mas mesmo que o museu abra portas normalmente, logo nos primeiros dias de 2017, não há, atualmente, qualquer exposição programada, pois o Conselho de Administração da Fundação Berardo deu ordens para que não fosse trabalhada qualquer programação enquanto não for celebrado um novo protocolo com o Estado, que assegure a continuidade do museu. “Normalmente, e por não termos orçamentos plurianuais, não conseguimos programar como programam outros grandes museus internacionais – a dois ou três anos – de forma a rentabilizar o museu e as suas exposições. Isto faz com que o nosso planeamento redunde em improviso, diminuindo o alcance dos nossos projetos. Este ano a situação é ainda pior porque, normalmente, em setembro, já temos o ano seguinte organizado e aprovado. Desta vez não tenho qualquer perspetiva ou projetos para 2017. Não sei o vai acontecer. Nesta altura do ano já tenho normalmente programação alinhada e situações concretizadas que já estão em curso. Este ano não estou autorizado pelo Conselho de Administração a fazê-lo. Como é que me posso comprometer com artistas ou instituições sem saber se existirão verbas?”, explica Pedro Lapa, diretor do Museu Berardo desde abril de 2011, cargo que assumiu depois de ter dirigido o Museu do Chiado durante 11 anos.
Isto não implica, no entanto, que estejam postos de trabalho em risco. Pelo menos de imediato. “Os trabalhadores do museu são trabalhadores da fundação Berardo”, diz Pedro Lapa, que, no entanto, esclarece que, a médio/longo prazo, não sendo celebrado o referido protocolo “extingue-se a razão de ser da fundação”. A Fundação Berardo não é, de resto, uma das fundações que vê repostos os cortes orçamentais, continuando, segundo este Orçamento do Estado (OE), com uma dotação reduzida em 30%, tal como definido no OE de 2012.
Entre o governo e o colecionador Foi em julho que o ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, anunciou no Parlamento a intenção de renegociar o acordo, explicando que havia interesse por parte do Governo em manter esta coleção em Portugal. Hoje, e na sequência das denúncias feitas por Pedro Lapa, o gabinete do ministro emitiu apenas um comunicado, no qual é possível ler: “As negociações entre o Governo e a Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Coleção Berardo sobre a renovação do Protocolo de Comodato no Museu Berardo prosseguem com espírito construtivo de ambas as partes e tranquilidade. O Governo assumiu publicamente por diversas vezes a vontade de manter a coleção em Portugal e estamos a trabalhar com esse objetivo.” Em jeito de conclusão, o gabinete de Luís Filipe Castro Mendes acrescentou ainda: “Por outro lado, não comentamos declarações de quem não acompanha o processo.”
Curiosamente, Joe Berardo proferiu palavras semelhantes em conversa com i. “Não sei o que o Pedro Lapa disse, não estava presente e por isso não quero comentar”, adiantou, para logo de seguida acrescentar: “Isto não tem nada a ver com o Pedro. Sei que não é fácil para ele estar nesta posição, mas a coleção tem muitas peças com as quais ele pode ainda trabalhar.”
Ainda antes, o comendador e colecionador fez questão de repetir exaustivamente, e entre risos, num género que lhe é característico, que não está preocupado com esta situação. “Neste momento o Governo tem acordo comigo até ao final do ano e também percebo que, com o OE, tenham outras coisas mais importantes… Atualmente o meu advogado está a reunir com eles e espero que antes do final do ano haja acordo, mas logo veremos. A verdade é que só haverá acordo se eu quiser e eles quiserem”, disse, para logo de seguida reiterar: “Não estou preocupado”. Mas a que se deve esta falta de preocupação? “Se não houver acordo não estou preocupado, porque tenho para onde levar a coleção. Tenho sempre alternativas. Até estou a fazer um novo museu”, diz, referindo-se ao espaço, ainda em construção em Alcântara, e que deverá albergar a totalidade da sua coleção de arte nova e arte déco.
Sem novas obras desde 2008 Ainda que este protocolo seja efetivamente celebrado, há outro problema que, de acordo com Pedro Lapa, urge resolver. É que desde 2008 que não é cumprido o acordo assinado em 2006, entre o Governo e o colecionador, que prevê que, cada um, atribua anualmente uma verba de meio milhão de euros para a aquisição de novas obras. Foi este acordo, cumprido durante os dois primeiros anos, que permitiu adquirir para a intitulada Coleção Estado/ Berardo um total de 214 peças de artistas portugueses e estrangeiros, que se juntaram às 862 obras – avaliadas em 316 milhões de euros pela leiloeira internacional Christie’s – da coleção pessoal de Joe Berardo e cedidas por este no âmbito da criação do museu, inaugurado em junho de 2007.
“O Governo desistiu de fazer aquisições e o colecionador também deixou de o fazer, porque esta era uma coleção para ser construída a dois”, revela Pedro Lapa, que, no entanto, sublinha que isto não significa que Berardo tenha deixado de colecionar – “até porque é um colecionador compulsivo”. Apenas deixou de comprar arte no âmbito da coleção deste museu, pois sentiu que faltava “boa vontade do Governo”.
Segundo Pedro Lapa, o não cumprimento deste acordo compromete aquilo que deve ser a realidade de uma coleção e de um museu como este, que é, em Lisboa, “o principal museu de arte moderna e contemporânea a articular a arte nacional e internacional”: “a construção contínua”. Justamente por isto, Pedro Lapa espera que esta situação seja “repensada e se encontrem soluções”, mas à data o diálogo parece estar “cancelado”, diz. De recordar que o Museu Coleção Berardo recebeu, no ano passado, 823 mil visitantes. Este ano conta ficar muito próximo de um milhão de visitantes.