A razão maior que motivou a conversa com João Rodrigues deve-se ao facto de ter ganho três títulos numa só época, dois deles europeus. Sem perder embalagem, conquistou, recentemente, a supertaça europeia. Tinha ano e meio quando pegou, pela primeira vez, num stick de hóquei em campo…, o seu pai praticava essa modalidade. Alguns anos mais tarde, por influência da irmã, aventurou-se pela patinagem artística. Das influências familiares, nasceu um campeão de hóquei em patins. Faz sentido.
Começou a jogar muito novo, com cinco anos, nos escalões de formação do Paço de Arcos, onde foi campeão nacional por diversas vezes. Em 2009, foi contratado pelo Benfica, tendo ganho tudo o que havia para ganhar a nível nacional e internacional. Aos 26 anos, vive o hóquei em patins de forma apaixonada.
João Rodrigues é um atacante puro. Movimenta-se no ringue com uma agilidade e técnica desconcertante para os adversários. A maioria dos seus golos têm nota artística. Foi uma das figuras que ajudou o Benfica a sagrar-se campeão europeu e nacional, e foi o capitão que levou Portugal à vitória no Campeonato da Europa. A conversa arranca precisamente sobre esses feitos recentes.
Como é que se consegue ganhar três títulos, sendo dois europeus, numa só época?
Consegue-se com muito trabalho e dedicação à causa. Obviamente que estar num grande clube como o Benfica, que me permite lutar por todas as competições e chegar à selecção nacional ajuda muito. Mas insisto, é preciso trabalhar muito para atingir um patamar elevado e, depois, manter esse nível.
O que sente ao fazer parte dos melhores da Europa?
Vivi momentos incríveis, com os pavilhões em completa loucura. Na Liga dos Campeões, houve uma série de factores que se juntaram para que fosse tudo perfeito. Jogar a final no pavilhão da Luz, no mesmo dia em que a equipa de futebol festejou o título nacional e ir ao relvado mostrar a taça, que tínhamos ganho pouco tempo antes, foi uma sensação fantástica. No meu caso, valorizo ainda mais esses triunfos porque tive a época mais difícil da minha carreira. Estive parado três meses devido a grave lesão, e houve uma altura em que pensei que não ia recuperar a tempo de viver esses momentos.
A supremacia evidenciada nas finais foi evidente. Esperava maior oposição?
Não há títulos fáceis, sobretudo quando falamos de competições desta importância. O título europeu pelo Benfica foi extremamente difícil de conquistar. Tivemos momentos muito complicados na fase de grupos, as meias-finais foram decididas nos penaltis e a final é sempre o desafio maior. Considero a Liga do Campeões a prova mais difícil de ganhar a nível mundial, porque exige maior regularidade. O Europeu e o Mundial de selecções são competições mais curtas. No fundo, são dois jogos que decidem o vencedor.
Como se sente no papel de capitão da selecção e subcapitão do Benfica?
Sinto enorme orgulho ao terem-me atribuído a responsabilidade de liderar dois grupos de homens e de verdadeiros campeões. Provavelmente a minha de estar no desporto e na vida contribuiu para que os treinadores me tivessem escolhido.
Quais são os factores determinantes para se triunfar no hóquei em patins?
Para estar entre os melhores é preciso reunir um conjunto de atributos técnicos e físicos, mas a mente é o aspecto mais importante para se vencer no desporto, como em tudo na vida. Um campeão não se faz só dentro da pista, faz-se também fora dela. Um jogador pode ser muito rápido, muito resistente e bom tecnicamente, mas se a componente psicológica e comportamental falhar não vai muito longe.
Como reage nos momentos menos bons? E com a pressão dos adeptos?
Há momentos que são bastante difíceis de ultrapassar. Por muita experiência que se tenha, a desilusão de perder uma final deixa marcas. Muitas vezes não é perder, é a forma e o contexto em que se perde. Para esquecer um momento difícil refugio-me no trabalho, e penso na próxima vitória, na próxima alegria.
Onde vai buscar inspiração para marcar tantos golos e tão espectaculares?
Os grandes golos nunca são pensados, saem no momento. Muitas vezes são acções de recurso para não perder a bola. Uma vez mais, as boas exibições devem-se ao trabalho e à entrega ao hóquei em patins. Cada treino serve para aprimorar os detalhes, pelo que os golos não nascem da sorte, são fruto do trabalho.
Como analisa os adversários na presente época?
Porto, Sporting e Oliveirense reforçaram-se bastante, pelo que vamos ter uma luta muito interessante. Prevejo um campeonato ainda mais competitivo este ano, mas estamos preparados para os enfrentar e para ganhar. Queremos ser campeões pelo terceiro ano consecutivo.
No início da época tínhamos seis competições para ganhar. Perdemos a supertaça nacional, conquistámos a supertaça europeia e ainda restam quatro provas para vencer. Sou movido a títulos, essa é a minha motivação diária.
Como analisa o momento do hóquei em patins em Portugal?
Há uma nova realidade. O campeonato melhorou muito com a nova geração de hoquistas portugueses e com a chegada de jogadores espanhóis e argentinos com muita qualidade. Além disso, as equipas trabalham cada vez melhor. No Benfica, tenho a felicidade de poder contar com profissionais altamente qualificados nas componentes técnico- táctica, física, psicológica e nutricional. O facto de as equipas e da selecção voltarem a ganhar títulos internacionais está a dar grande mediatismo à modalidade. Mas isso só não chega. Todos os intervenientes, dirigentes, clubes, jogadores e jornalistas, têm a responsabilidade de preservar e valorizar uma modalidade que faz parte da cultura desportiva de Portugal. Há muito trabalho a fazer na promoção e divulgação da modalidade. O hóquei em patins é um produto bom e vendável, que tem sido mal explorado.
Jogar no estrangeiro é um objectivo na sua carreira?
Houve momentos da minha vida em que pensei jogar no estrangeiro. Actualmente, atingi um nível elevado e estou muito feliz no Benfica, que é a melhor equipa na qual se pode estar. Vejo-me a jogar o resto da carreira no Benfica, e, se, um dia, considerar a hipótese de sair seria para o Barcelona, caso me convidassem. Mas tinha que pensar muito bem se queria deixar o clube do meu coração.
Apesar da experiência dada por 78 internacionalizações, que marcas deixou a vitória no Europeu?
Foi muito importante, pois para além de derrotarmos os nossos adversários, tivemos também que lutar contra a história, há 18 anos que Portugal não ganhava o título europeu. Fizemos um campeonato imaculado, com resultados expressivos e exibições muito bem conseguidas. Na final, deparamo-nos com uma realidade diferente. Ao intervalo, estávamos a perder com a Itália por 2-0. Na segunda parte, com um espirito de equipa fantástico, impusemos o nosso jogo, demos a volta, e ganhamos por 6-2. Portugal já merecia este título.
O que falta para Portugal voltar a ser o melhor do Mundo no hóquei em patins?
Já tivemos mais longe. No último Mundial, só perdemos com a Argentina, que viria a sagrar-se campeã. Temos uma nova geração de jogadores com muita qualidade, o que abre excelentes perspectivas para o futuro. O meu grande objectivo, diria mesmo o sonho de criança, é vencer o Campeonato do Mundo.