As alterações aos pagamentos e o congelamento das propinas cobradas aos estudantes do Ensino Superior tem sido um dos temas discutidos no Parlamento, com os partidos da esquerda a apresentarem recentemente várias propostas de lei neste sentido. O Orçamento do Estado para 2017 não prevê qualquer alteração às regras em vigor mas, a um mês do prazo final para que os partidos apresentem propostas de alteração, os reitores deixam desde já um recado: este é um assunto que «tem de ser discutido à luz das regras do financiamento do Ensino Superior» e qualquer redução nas verbas disponíveis terão de ser compensadas pelo Governo.
Como vê este Orçamento?
É um orçamento que não traz grandes surpresas. Corresponde àquilo que acordámos, genericamente, com o Governo. Sob esse ponto de vista a discussão do Orçamento deste ano foi mais interessante e mais sossegada porque se desenvolveu um quadro de previsibilidade maior. Mas é evidente que não é o Orçamento que gostaríamos de ter.
Porquê?
Gostaríamos de ter um Orçamento que aumentasse a dotação para o Ensino Superior.
O Orçamento inclui todas as medidas previstas no Contrato de Confiança?
Há duas ou três questões que estão no acordo que fizemos com o Governo, e que queremos ver resolvidas porque são muito importantes para as universidades não fundação. É a questão das universidades serem consideradas entidades voluntárias para a ESPAP (Agência Nacional de Compras Públicas). E a outra é que as universidades não tenham de recorrer ao INA – [a entidade que gere o pessoal excedentário na Função Pública] – para a contratação de pessoal não docente. São estas duas questões que nos preocupam, que não estão resolvidas e que queremos ver resolvidas.
Qual é o impacto destas medidas?
São espartilhos à flexibilidade que temos que ter. A questão da ESPAP é totalmente incompreensível, ainda mais para as universidades que estão fora de Lisboa. Não faz qualquer sentido. A questão do INA faz com que, muitas vezes, as universidades tenham de contratar pessoal para projetos de investigação, trabalhadores, técnicos, e são surpreendidos com situações, com currículos e com pessoas que não têm o perfil adequado.
Já conversaram com o ministro sobre isso?
Já conversámos sobre os dois assuntos, tivemos uma reunião recentemente. O ministro disse que estes dois assuntos estão a ser considerados pelo Governo e temos esperança que isso possa vir a acontecer. Vamos ver…
Há partidos que querem congelar novamente o valores máximos e mínimos das propinas. Estão preocupados?
A questão das propinas deve ser discutida de um modo integrado com o financiamento do ensino superior e à luz das mudanças que estão a acontecer nos diferentes países europeus. O assunto não pode ser discutido descontextualizado desta realidade. Não faz sentido legislar sobre as propinas de modo avulso. O Parlamento tem legitimidade para legislar sobre aquilo que entender, mas se legislar nesse sentido fará algo que vai contra aquilo que é o modo como a universidade deve evoluir. É extremamente entrópico estar a mexer em algo que é importante para o financiamento das universidades e que é também uma das marcas do espaço de autonomia das universidades.
Qual foi o impacto financeiro do congelamento este ano?
Para as grandes universidades que pretendiam aumentar o valor, por exemplo na Universidade de Lisboa, na ordem dos 300 mil euros. Mas há universidades que por sua iniciativa decidem não aumentar as propinas.
Já conversaram com os partidos sobre as propinas?
Presumimos que a grande motivação dos partidos é poder garantir que não há estudantes em Portugal que são obrigados a abandonar os seus cursos por questões económicas. Uma preocupação que nos parece ser absolutamente natural e que é totalmente suportada pelo CRUP. Mas, isso é diferente de alterarmos os valores das propinas e de algo que está consagrado no espaço institucional da autonomia que as universidades possam ter para serem elas a decidir os valores das propinas.
Há muitos estudantes com dificuldades económicas?
Os últimos quatro anos, sobretudo em 2011 e 2012, foram muito complicados porque houve uma redução significativa do número de bolseiros. Na altura passaram de cerca de 70 mil para 60 mil, houve uma redução de quase dez mil bolsas. Hoje já estão outra vez na casa dos 70 mil. Mas desde essa altura que as universidades têm vindo a implementar diferentes mecanismos de ação social e de fundos de emergência social complementares às 70 mil bolsas. As universidades têm uma enorme sensibilidade e preocupação com este assunto. E, neste contexto, as universidades querem assumir o compromisso público de encontrar uma solução para qualquer estudante que sinalize uma situação de eminente abandono do ensino superior por dificuldades económicas. As universidades estão totalmente empenhadas em resolver essa situação.
O que vão fazer?
Vamos fazer propostas de alterações legislativas que possam alargar o número de bolsas ou que pelo menos permitam que possam responder a situações às vezes críticas e a situações especiais.
Que alterações vão propor?
Ainda não posso adiantar.
Quando vão apresentar as alterações?
Praticamente de imediato.
Admitem avançar com alguma medida caso o Parlamento congele as propinas?
Temos um acordo com o Governo que é muito explícito em questões de alteração do quadro financeiro das universidades que resulte de alterações legislativas, sejam as que provoquem um aumento da nossa despesa ou de diminuição da nossa receita. Dentro desse quadro e do acordo que assinámos, e que estamos empenhados em cumprir, uma alteração legislativa desse género terá implicações nas verbas que teremos de receber da dotação do Orçamento do Estado.
Terão de ser compensados pelo Governo?
Sim.
O Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) devia ter sido revisto em 2013. Como está esse processo?
Que saiba não há nenhum movimento para alterar o RJIES.
Mas a lei prevê que seja revisto a cada cinco anos…
Não vejo grande necessidade. Há questões que têm de ser pensadas, há uma experiência acumulada muito grande no contexto do RJIES. As experiências fundacionais estão a acontecer e talvez seja importante ter mais tempo para que elas se evidenciem. É cauteloso aguardar um pouco. Além disso, à luz do que aconteceu há dez anos, será lançada em 2017 uma avaliação do sistema de ensino superior em Portugal por parte da OCDE e essa avaliação será um elemento muito importante para o exercício da revisão do RJIES.
O Governo quer reforçar o estimulo do regime fundacional. Há universidades a quererem passar a fundação?
Houve três universidades iniciais e agora a Universidade do Minho e a Nova também vão pedir ao Ministério o processo. Várias universidades o estão a pensar fazer, mas devem ser essas universidades a anunciá-lo.
Ainda compensa passar a regime fundacional?
Não há qualquer dúvida. Sou um crente absoluto em soluções que permitem alargar a autonomia. As universidades têm que ter capacidade para desenvolverem projetos académicos e de investigação e para isso têm de ter flexibilidade. Mas, é preciso perceber que uma universidade que é mais autónoma tem que ser também mais responsável. Isso cria uma cultura institucional muito mais sadia e adequada.