O governo tem estado a discutir com o Bloco de Esquerda e PCP uma forma de mudar o regime contributivo dos trabalhadores independentes. No entanto, nem todos acham que as soluções em cima da mesa sejam as melhores. Há até quem acredite que baixar a carga fiscal destes trabalhadores pode aumentar o recurso das empresas a este regime.
Uma das vozes que se levantaram foi a da economista Susana Peralta, que considera que o maior problema é o facto de a contribuição para a Segurança Social incidir apenas sobre o trabalhador. “Se eu tiver uma carga fiscal inferior e se eu trabalhar com recibos verdes, isso poderia levar-me a aceitar trabalhar por um salário bruto inferior, e isso também sai mais barato às empresas. Portanto, pode levar as empresas a ter mais incentivo a recorrer a esse tipo de trabalho”, afirmou recentemente numa entrevista.
Contactado pelo i, João Camargo, da Associação Precários Inflexíveis, esclarece que o caminho que tem sido feito no combate à precariedade é muito importante, mas não deixa de alertar para alguns riscos. “Desde que haja um encargo para as empresas contratantes, não acredito que baixar a carga fiscal aumente o recurso a este regime. Além disso, temos de nos lembrar que falamos de taxas que são uma aberração”, começa por esclarecer.
Sem direito a subsídios, licença de maternidade ou até indemnização, mas muitas vezes com as mesmas obrigações que têm outros colegas com vínculo formal com a empresa, os trabalhadores independentes contam agora com uma possibilidade de virem a pagar menos. Ao i, o economista Eugénio Rosa explica que “um trabalhador a recibos verdes tem de pagar 29,6% para a Segurança Social porque suporta também a parte da empresa, mais 25% para o IRS e, muitas vezes, ainda IVA”.
Para o economista, este regime já fez com que muitos trabalhadores chegassem a um ponto de rutura que dificilmente tem retorno. “É uma grande carga fiscal e muitas vezes não corresponde ao que as pessoas ganham, porque é calculado com base em valores de anos anteriores. Isto faz com que muitos atrasem prestações e há consequências que vão desde juros muito elevados a processos que podem levar à prisão”, explica.
Ainda que não veja com bons olhos tudo o que tem estado em cima da mesa das negociações, esclarece que mudar a fórmula de cálculo já é um ponto importante. “Até agora, a Segurança Social fazia uma média com base no ano anterior e era a partir desse valor que encaixava o trabalhador independente num escalão. Agora, os descontos passam a ser feitos sobre a média recebida nos últimos três meses. O que é muito melhor”, esclarece, sublinhando ainda que se somam situações precárias em Portugal.
De acordo com os dados do INE, em 2014 existiam em Portugal cerca de 130 mil pessoas a recibos verdes. Mas a Associação Precários Inflexíveis garante que as situações precárias se multiplicam e que o número de precários chega a atingir um milhão.
“Ainda não há uma conclusão e a proposta final pode sempre ser diferente daquilo que está a ser discutido, mas até aqui existem dois pontos fundamentais que se baseiam num encargo para as empresas contratantes e também no acesso destes trabalhadores a licenças de maternidade, pagamento por doença, entre outros direitos a que não tinham acesso”, explica João Camargo, embora sublinhe que ainda há muito a fazer.
“Os trabalhadores do Estado não estão contemplados, e há muitos. Uma lacuna grave é o facto de a Autoridade para as Condições do Trabalho só atuar nas empresas privadas. E no Estado ainda não foi feito o levantamento de quantas pessoas estão em situações mais precárias”, sublinha. Para esta associação, o Estado sempre foi, aliás, “um dos maiores dinamizadores da precariedade e um exemplo nas piores práticas”.
Também Eugénio Rosa sublinha que é necessário que se olhe para os casos que acontecem no setor público. “Estive a fazer um trabalho sobre o tema e os números falam por si. Temos no Estado mais de 100 mil precários, e destes 30 mil são recibos verdes”, esclarece.
A verdade é que em agosto deste ano o governo anunciou que tinha acabado de criar um grupo de trabalho para “proceder ao levantamento dos instrumentos de contratação” considerados precários. A ideia era que este grupo apresentasse um relatório no final deste mês e os dados serviriam para implementar uma estratégia plurianual de combate à precariedade laboral na administração pública.
No entanto, para Eugénio Rosa fica claro que voltou a haver um adiamento.
Ainda assim, o balanço que é feito sobre o combate que tem sido feito nos últimos anos aos falsos recibos verdes é positivo. E há medidas que deverão fazer toda a diferença. De acordo com João Camargo, um outro ponto que ganha especial importância está relacionado com o facto de haver uma maior proteção dos casos detetados e que têm de ir a tribunal: “Há um aumento da proteção que é dada a estas pessoas. Até para que não exista receio de denunciar situações por medo de consequências.”
Os casos em Portugal multiplicam-se e as histórias cruzam–se umas com as outras. Para os trabalhadores que estão num regime de falsos recibos verdes, o que está em questão é algo tão simples que se resume a uma frase de uma jovem: “É ter um horário como os meus colegas, ter chefia, as mesmas obrigações, mas não ter direitos.”