Eric Cantona anda por Lisboa a gozar a sua dourada reforma e é mais visto, agora, em documentários e entrevistas do que propriamente naquilo que os brasileiros chamam de “o telão”: mas não esperem muito pela demora.
Para ele, o cinema tem sido uma espécie de segunda pele. Habituou-se e gostou. A tal ponto que participou até, com um toque apimentado, na comédia erótica “Encontros Após a Meia-Noite” em que representa o papel de um garanhão convidado por um casal de travestis para uma orgia. Ora! O que é isso na vida de um homem que deu, certa vez, um golpe de kung-fu num espectador mais mal educado? Polémico, conflituoso, sempre pronto para uma laracha, Cantona parece ter encontrado em Portugal uma espécie de serenidade apregoada aos quatro ventos em cada aparição pública, sendo estas cada vez mais vulgares.
Muitos recordar-se-ão da sua personagem de embaixador francês na corte da rainha Isabel, primeira do nome, em “Elizabeth”, de Shekar Kapur. Ou de o ver na companhia de Jacques Villeret, Jacques Gamblin e André Dussolier em “O Olhar da Inocência”, de Jean Becker. E sendo mesmo figura de cartaz em Cannes, em “Looking for Éric”, de Ken Loach, a história de um carteiro fanático por futebol que conversa com o seu amigo imaginário, Éric Cantona, pois claro! “Às vezes esqueço-me de que você é só um homem”, diz o carteiro, a certa altura. E ele responde: “Não sou só um homem, sou Cantona”. Não ficará para as grandes frases da história do cinema, mas dá bem uma ideia de como Éric se vê a si próprio. No cinema e na vida. Mas, atenção! Está longe de ser o único futebolista que se deixou encantar pela sétima arte.
Um ex-benfiquista. Greame Souness, antigo treinador do Benfica e figura enorme como jogador do Liverpool dos anos 80, também apareceu num filme chamado “The Boys From the Blackstuffs”, uma charla televisiva dirigida por Yosser Hughes sobre um homem de Liverpool que tenta recuperar de um terrível esgotamento. São apenas uma ou duas cenas, mas o bigode de Souness encheu o ecrã. Por seu lado, o sempre elegante David Ginola foi mais activo. Entrou nas curtas-metragens “Rosbeef” e “Mr. Firecul” e no bem mais suculento “The Last Drop”, de Colin Teague, uma daquelas aventuras de guerra com tudo a que um espectador tem direito.
Ninguém se esquecerá de “Fuga Para a Vitória”, de John Huston: além de Michael Cane, Max von Sydow e de Sylvester Stalone, passam pelo campo de concentração e pelo Estádio de Colombes, em Paris, no épico jogo frente aos nazis, um ror de futebolistas de diferentes épocas – Pelé à cabeça, não fosse ele Pelé, e também Bobby Moore, John Wark, Ardilles e Kazimiers Deyna. Futebol para todos os gostos.
Stan Collymore, antigo avançado-centro do Nottingham Forest, Liverpool e Aston Villa, experimentou um papelucho secundaríssimo em “Instinto Fatal 2”, gozando a proximidade com Sharon Stone nem que por apenas uns segundos. Ian Wright, que jogou épocas a fio pelo Arsenal, entrou em “Gun of a Black Sun”, um mix de mistério, violência e música polvilhado por neo-nazis, de Jeff Burr. Mas, o maior de todos, não deixa de ser Vinnie Jones. O terrível Vinnie Jones!
Terrível! Vinnie Jones nasceu em Watford, no dia 5 de Janeiro de 1965. Tornou-se famoso como membro do “Crazy Gang”, uma equipa do Wimbledon famosa por não poupar as canelas e os crânios dos adversários e que ganhou a Taça de Inglaterra em 1988. Não admira que tenha sido chamado para fazer papéis de mau. E tantos que fez. É, seguramente, o futebolista que mais participou em filmes e séries. “The Midnight Man” (2016), “The Magnificent Seven” (2016); “Decomissioned” (2016), e antes disso, “6 Ways To Die” (2015), “Magic Boys” (2012), (2000), “Mad Machine” (2001), “The Big Bounce” (2004), “She’s The Man” (2006), “Snatch -Porcos e Diamantes” (2000), etc., etc., etc. Mais de noventa participações em filmes e séries! Campeão do mundo? Muito provavelmente. Não é fácil teclar “Hollywood” e não ver, nem que seja de relance, Vinnie Jones a fazer papel de maldito. A carreira no futebol fez-lhe a personagem.
Salvador! Em Portugal, futebol e cinema misturam-se pouco. Houve o famoso “Leão da Estrela”, de Arthur Duarte, em 1947, com o jogo dos “Cinco Violinos” no Porto, e houve Eugénio Salvador. Eugénio Salvador Marques da Silva, nascido em Lisboa no dia 31 de Março de 1908, foi um grande dançarino e actor português. Participou em peças de teatro como “Ó Rosa Arredonda a Saia” (1952), “Alto e Pára o Baile!” (1977) ou “Rei Capitão Soldado Ladrão” (1979), e em filmes como “Os Três daVida Airada” (1952), “As Pupilas do Senhor Reitor” (1961) e o “Destino Marca a Hora” (1970). Depois, mais do que isso, foi jogador do Benfica durante seis épocas, entre 1927 e 1934. Quem o viu jogar diz que era dono de uma técnica supimpa e marcou o golo inaugural do Campo das Amoreiras. Misturava o gosto pelo futebol e pela representação. Como muitos depois dele. Afinal, não há assim tanta diferença entre dois espectáculos que encantam as plateias. Sob os aplausos e as pateadas a distância é curta. Talvez por isso Abel Xavier e Cristiano Ronaldo já tenham andado perto de Hollywood. Talvez apenas à espera de um papel, certamente bem mais pequeno do que o dos estádios…