A utopia é, por definição, inalcançável, mas tem, ao longo dos tempos, orientado pessoas ou povos, no curso da história. Como descreve, ilustrativamente, Eduardo Galeano: «a utopia é algo que colocamos no nosso horizonte, damos dez passos e ela afasta-se dez passos, damos mais dez passos e ela afasta-se outros dez. Mas é para isso mesmo que ela serve – para nos fazer caminhar”. É, pois, a utopia que guia os sonhos de muitos – como pergunta Vergílio Ferreira: «Mas que há para lá do sonhar?».
É exatamente por ser utopia que não pode, nunca, realizar-se. Trata-se, assim, de um ideal não concretizável e longínquo, de um mundo imaginado que se sabe nunca poder tornar-se possível, e é exatamente isso que lhe dá a dimensão de ideal impossível. A beleza da utopia encontra-se precisamente na sua impossibilidade, e é esta característica que faz com que muitos pensadores (filósofos, escritores, arquitetos, pintores…), ao longo dos tempos, se tenham dedicado a imaginar como seria o mundo ideal.
De todas as obras, a primeira e mais famosa é a de Thomas More, escrita há 500 anos, em que Rafael Hitlodeu narra a sua viagem à Ilha de Utopia, onde não existe nenhum dos vícios existentes n’A República de Platão, e que termina com o comentário: «é fácil confessar que muitíssimas coisas há na terra da Utopia que gostaria de ver implantadas nas nossas cidades, em toda a verdade e não apenas em expectativa».
Ora, no extremo oposto encontra-se o caos, a desordem total, a impossibilidade de realização por desorganização. O caos é quase sinónimo de anarquia, de ausência de regras e leis que rejam a sociedade e a tornem um local habitável por todos.
Hobbes descreve este estado de caos natural ou “Estado de Natureza” da seguinte forma: o homem vive «com medo contínuo, e perigo de morte violenta; e a vida do homem é solitária, pobre, suja, bruta e curta». Não é esta, pois, visão muito atrativa…
Porém, o mundo e a vida não têm forçosamente de ser a preto e branco, a inexistência de uma utopia não tem de implicar o caos, como, aliás, qualquer um de nós pode facilmente comprovar.
A vida – o mundo, a realidade, aquilo que lhe quisermos chamar – é imperfeita e, como tal, não tem apenas um tom, não tem apenas uma característica, um único sentido. E é isso que a torna bela. Qualquer utopia ou qualquer caos não poderiam existir, nunca, senão como ideal, por lhes faltar exatamente esse toque de beleza que é conferido pela realidade. E esta não é nunca aquilo que sonhamos ou idealizamos. A vida é aquilo que (nos) acontece, aquilo que vemos, que pensamos, que sentimos. E, felizmente, sentimos tudo.
Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services