Hilda Krüger falhou redondamente o sonho de se tornar uma estrela do cinema mundial. Entrou em vários filmes alemães e mexicanos, sim, mas quase sempre por favores de seus amantes e amigos abastados. As maçãs largas do seu rosto claro escondiam-lhe a expressão. Era baixa, rígida e não muito carismática. A angulosa e expressiva Marlene Dietrich era-lhe estratosférica. E, no entanto, Krüger fez em vida o que não conseguia transmitir para a tela. Viveu nos mais altos círculos sociais da época, teve na cama Goebbels, futuros presidentes e magnatas mundiais do petróleo. Roubou segredos para o Terceiro Reich como apenas Mata-Hari conseguiu fazer para os alemães da Primeira Guerra e foi fundamental para o início da ofensiva nazi contra a União Soviética. O_seu verdadeiro palco foi o feroz submundo do México dos anos 40, como conta Juan Alberto Cedillo na biografia da espia que acaba de publicar, muito graças a documentos recém-desclassificados pelo governo: “Hilda Krüger, Vida e Obra de una Espía en México” (Debate).
O percurso espião de Krüger começa a desenhar-se na Alemanha. Divorciada de um judeu, é lá que a jovem aspirante atriz se alista na agência secreta de informação Abwehr e na cama do poderoso ministro da propaganda Joseph Goebbels, que em vida colecionou uma longa lista de amantes. Foi pela sua mão que Krüger conseguiu construiu uma pequena carreira como atriz, aparecendo em filmes produzidos pelo Terceiro Reich – Krüger, segundo conta Juan Alberto Cedillo, era profundamente hitleriana. Foi também devido à sua proximidade com Goebbels que a jovem atriz se vê forçada a abandonar a Alemanha – a temível mulher do ministro nazi, Magda, assegurou-se disso ao descobrir o caso entre os dois. Krüger encontra então uma via aberta para tentar o sonho de uma carreira de cinema nos Estados Unidos. Não se transforma numa estrela mundial, mas vê-se inserida nos círculos da alta sociedade americana. Consegue o carinho de milionários como Jean Paul Getty e de famílias ricas como as Rockefeller, Rhodes e Hastings. De atriz medíocre, Krüger passa a espia inestimável.
“Hilda transforma-se numa fonte para informações difíceis de conseguir fora desses círculos, embora também a conseguisse em lugares tradicionais, como cabarés, confessionários e, mais ocasionalmente, na cama”, escreve Cedillo. Informações, por exemplo, sobre como William Rhodes Davis conseguia comprar grandes quantidades de petróleo e e vendê-lo ao Terceiro Reich sem despertar a atenção de Washington, que por aqueles dias do início dos 40 olhava com apreensão a guerra na Europa. Krüger descobre que o seu amigo Jean Paul Getty e os Rockefeller estavam também envolvidos nas operações de venda de petróleo à Alemanha e que o faziam operando em segredo, através de subsidiárias. A centenas de quilómetros, o Terceiro Reich viu nestes segredos a chave para desbloquear a sua ofensiva sobre a União Soviética. Berlim sabia que podia contar com simpatizantes no México, mas estava também consciente da pressão vinda dos norte-americanos, que travavam qualquer venda de petróleo, mercúrio e tungsténio aos alemães. Os nazis precisavam de combustível para os seus aviões e de materiais para as suas bombas. Krüger parecia ter encontrado a solução.
Hilda e o “insaciável” Valdés
A atriz alemã entrou de rompante no México, em fevereiro de 1941. Através da Abwehr, conseguiu aproximar-se dos círculos políticos mexicanos. Pelo seu amigo Jean Paul Getty, chegou à alta sociedade, onde se preservava não apenas graças à sua simpatia e belos olhos azuis, mas também pela sua inteligência – Krüger, aliás, escreveu três livros sobre mulheres. Mas foi ao tornar-se amante de um subsecretário mexicano dos Negócios Estrangeiros que Krüger ficou a saber que o então presidente, Ávila Camacho, sentia admiração por Hitler e estava disposto a contornar os interesses americanos para lhe vencer matérias-primas. A Krüger bastou-lhe pôr em ação o que aprendera nos Estados Unidos. “Hilda é uma espécie de Mata-Hari por ter conseguido segredos que mais ninguém tinha”, conta Cedillo ao portal mexicano Quadratín. “Conseguiu saber qual era a opinião sobre a venda de petróleo pelo México à Alemanha, informações sobre o contrabando que se organziou depois através do Panamá e ainda agiu como elo de ligação entre os serviços de informação do Terceiro Reich e os funcionários mexicanos.”
Muito do que Krüger conseguiu no México deve-o a um caso amoroso com Miguel Alemán Valdés, na altura um secretário governamental, mas mais tarde presidente. Ao tê-lo na sua cama, Krüger conseguiu não só segredos, mas também que Valdés se transformasse numa espécie de escudo protetor do aparato das secretas alemãs no México. Valdés tornou-se um aliado tão próximo do Reich que acabou por permitir que o México se transformasse numa espécie de plataforma giratória nazi para operações de sabotagem e espionagem em solo americano. Krüger pagou-o caro. Valdés, escreve Cedillo, era “um homem insaciável”. “Tratava as mulheres como os chulos tratam as suas prostitutas.”
A carreira de Hilda Krüger como espia acabou de um dia para outro, quando Pearl Harbor foi atacada pelos japoneses. O_México abandonou o jogo duplo e aprisionou o aparato das secretas alemãs. Hilda foi detida, mas o seu amante Valdés conseguiu que fosse libertada. Tudo nela se torna menos brilhante a partir desse momento. Da brilhante espia restava a medíocre atriz. Casou e divorciou-se com o playboy mexicano Nacho da Torre, à medida que filmava filmes de pequena monta. Regressou à Europa em 1958 e só mais uma vez voltou ao México, onde se a ouviu dizer, como escreve o “El País”, que “já nada era como antes”. Morreu de velhice em 1991.