Mudar a fronteira comercial mundial

No próximo dia 8 de novembro, vão estar em jogo, para além de tudo, o modelo económico dos EUA e o processo de globalização da economia mundial. 

A poucos dias de os norte-americanos votarem para escolher o seu próximo presidente, o mundo interroga-se sobre o que poderá mudar na política dos EUA consoante o resultado. A política económica está no topo das atenções e as diferenças de propostas e escolhas são visíveis.

Desde 2008 que Hillary Clinton defende um orçamento equilibrado, apontado como fator crucial para o desenvolvimento económico sustentável a longo prazo. Para tal, propõe uma aceleração do crescimento económico através de uma redução de impostos para a classe média e as PME. Ao mesmo tempo, propõe a redução das desigualdades com um aumento do salário mínimo – de 7,25 dólares para 12 dólares à hora, além de criar incentivos para que os estados desenvolvam políticas que ajudem o salário mínimo a subir até aos 15 dólares por hora – e o aumento de impostos para quem recebe mais de 400 000 dólares (360 000 euros) por ano. Créditos fiscais para as empresas que distribuam lucros e fomentem a criação de emprego é outra proposta.

 As infraestruturas também estão entre as prioridades de Clinton. A proposta é dedicar 275.000 milhões de dólares à criação de um banco de fomento de projetos de infraestruturas. 

Já Donald Trump promete ser o «maior criador de empregos da História» impondo taxas alfandegárias e barreiras comerciais à China, México e outros parceiros comerciais. O candidato republicano propõe ainda baixar os impostos sobre o rendimento e sobre as empresas, ao mesmo tempo que elimina as lacunas na lei. 

A redução de sete para três escalões de IRS está no topo da política fiscal de Trump, a par da isenção do pagamento de impostos para pessoas com baixos rendimentos. Para as empresas, a taxa de IRC baixaria de 35% para 15% e haveria um incentivo para as empresas norte-americanas repatriarem os lucros gerados no estrangeiro com a criação de uma taxa especial. Trump defende ainda a eliminação do imposto sucessório. No início da campanha manifestou-se contra o aumento do salário mínimo e agora defende-o, mas sem se comprometer com valores. 

Em agosto o comité bipartidário para um orçamento federal responsável (CRFB na sigla inglesa) fez as contas e concluiu que as propostas de Trump aumentariam a dívida pública dos EUA de 77% para 105% do PIB na próxima década. Já as medidas do programa de Hillary colocariam essa dívida em 86% do PIB.

Possível recessão

No mesmo mês, uma análise do Citigroup sustentava que a economia mundial poderá entrar em recessão caso o candidato republicano vença. 

No parecer, noticiado pela agência Lusa, os peritos consideram que as presidenciais nos EUA são uma importante fonte de incerteza para a economia mundial. «A nossa hipótese de base é uma vitória de Hillary Clinton (candidata democrata) e principalmente a continuidade das políticas» económicas, referem os peritos. 

Uma vitória de Trump reserva dias mais sombrios para a economia, defendem os especialistas. Dada a amplitude da incerteza, uma «vitória de Donald Trump poderá reduzir o crescimento do PIB mundial», referem os economistas do grupo bancário, sublinhando que o crescimento mundial será apenas de 2% ou menos.

Esta análise é consonante com várias outras que têm sido divulgadas ao longo da campanha que têm como base as posições dos candidatos sobre diversos aspetos da economia norte-americana que têm impacto direto na economia global. 

O primeiro tem a ver com a política comercial: a eleição para 2016 deu início ao um dos mais intensos debates desde há muitas décadas sobre acordos comerciais, globalização e o impacto das baixas taxas alfandegárias e fronteiras abertas nos empregos dos norte-americanos e seus respetivos salários.

«Os nossos políticos têm prosseguido agressivamente uma política de globalização – levando os nossos empregos, a nossa riqueza e as nossas fábricas para o México e para o estrangeiro», sintetizou Donald Trump a sua posição num discurso em junho. 

O candidato republicano desvinculou-se assim de décadas de política do seu partido, rejeitando o comércio livre e apoiando barreiras alfandegárias para proteger a indústria norte-americana daquilo a que apelida concorrência desleal. 

Esta tem sido uma das tónicas da sua campanha e tem atraído muitos trabalhadores industriais e pessoas que têm sofrido com as repercussões da crise financeira. 

Já no partido democrático, a oposição aos acordos de comércio livre tem como base a influência dos sindicatos e o legado da campanha para a nomeação democrata, durante a qual Bernie Sanders revelou uma retórica contra os acordos comerciais semelhante à de Trump. 

«Donald não entende a complexidade. Ele quer começar uma guerra comercial com a China. E eu percebo que haja muitos norte-americanos com preocupações em relação aos acordos comerciais – também as tenho. Mas uma guerra comercial é uma coisa muito diferente», afirmou a candidata democrata em San Diego, também em junho. Em agosto definiu a sua visão sobre a política comercial, nomeadamente o Trans-Pacific Partnership (TPP), um acordo negociado e e promovido pela administração Obama com 12 países do Pacífico. «Oponho-me agora, opor-me-ei depois da eleição e serei sua opositora enquanto Presidente», afirmou em discurso, citada pelo WSJ. 

Ainda ontem, ministros do comércio de 16 países – incluindo a Índia, a China, a Austrália e o Japão – reuniram-se nas Filipinas para discutir a Regional Comprehensive Economic Partnership. Este é um acordo de comércio livre promovido pela China, visto como alternativa ao TPP.

Redefinição política

Alguns economistas têm avisado que a reintrodução de barreiras e taxas comerciais e alfandegárias poderá ser prejudicial para as indústrias norte-americanas, que dependem das linhas de produção internacionais e têm o potencial para desencadear uma guerra comercial que vai minar a economia mundial.

De acordo com uma sondagem do Pew Research Center divulgada em março, mais de 56% dos eleitores democratas consideram que os acordos de comércio livre têm sido benéficos para os EUA. 38% considera o oposto. Os números invertem entre os eleitores republicanos. 53% sustenta que têm sido maus para o país e 38% defendem que têm sido bons.

Um recente artigo publicado no site Politico chama atenção para as escolhas em presença: «Durante a próxima década, à medida que as políticas partidárias se definem, esta ‘guerra de fronteiras’ que sucedeu às ‘guerras culturais’ vai definir e refazer a política nos EUA».