Quando, há cerca de dez dias, James Comey comunicou ao Senado norte-americano ter encontrado motivos credíveis para voltar a olhar para o mais recente conjunto de mensagens eletrónicas oriundas do servidor pessoal de Hillary Clinton, os democratas explodiram de raiva e acusaram o diretor do FBI de interferência nas eleições, “com a clara intenção de auxiliar um partido político em detrimento de outro”. Do outro lado da barricada, Donald Trump esfregou as mãos e gritou para quem o quisesse ouvir: “Talvez o sistema se torne um pouco menos viciado. Lindo!”
Mas a poucas horas da eleição que vai decidir quem irá ocupar a Casa Branca para os próximos quatro anos, Comey anunciou que não há motivos para alterar o conteúdo das conclusões a que o FBI havia chegado em julho – que resultaram no arquivamento do inquérito e na não incriminação de Hillary – e o desejo de Trump caiu em saco roto, tendo em conta as conclusões a que chegou. “Ela [Clinton] está a ser protegida por um sistema manipulado. É um sistema totalmente manipulado, tenho vindo a dizer isto há muito tempo”, insistiu o magnata num discurso em Sterling Heights, no estado do Michigan, citado pelo “Washington Post”, poucas horas depois de conhecer a decisão do diretor do FBI. “É impossível analisar 650 mil emails em oito dias, amigos. Hillary Clinton é culpada. Ela sabe-o. E o FBI também o sabe”, acusou Trump, sugerindo irregularidades na análise da nova informação disponível por parte da agência federal.
As conclusões de Comey – relativas ao novo conjunto de emails encontrado pela agência policial federal, no âmbito de uma investigação paralela, no computador do antigo congressista Anthony Weiner, ex–marido de uma assessora de Hillary – foram anunciadas através de uma curta carta enviada pelo próprio, no domingo, a diversos representantes do Congresso norte-americano.
O diretor do FBI não revela, no entanto, quantas mensagens foram analisadas no total, referindo apenas que a equipa de investigação “trabalhou incansavelmente no processamento e avaliação de um largo volume de emails”. “Tendo em conta a nossa análise, não mudamos as conclusões que expressámos em julho, a respeito de (…) Clinton”, pode ler-se no final do documento.
Sem euforias Engane-se, porém, quem pensar que a decisão do FBI oferece descaradamente a Hillary o empurrãozinho de que precisa para cortar a meta à frente do magnata. É verdade que o anúncio da reabertura do inquérito, no final de outubro, coincidiu com a subida de Trump nas sondagens, mas isso não significa que haja uma relação óbvia de causa-efeito nesse sentido, até porque as sondagens anteriores já denunciavam que o clima de desconfiança que paira sobre a candidatura democrata se deve tanto ao descuido de Clinton no tratamento de informação confidencial como às consequências práticas desse mesmo descuido.
Talvez seja por isso que a equipa de Hillary tenha reagido à ilibação sem euforias e com uma certa dose de distanciamento. A candidata não tocou no assunto durante todo o domingo de campanha e um dos seus porta-vozes, Brian Fallon, limitou-se a escrever no Twitter que os democratas estiveram “sempre confiantes que nada poderia alterar a decisão de julho”. No mesmo tom, Jennifer Palmieri e Robby Mook, diretores de campanha de Clinton, apenas se mostraram “satisfeitos” por ver o “assunto resolvido” em declarações aos jornalistas no domingo e na segunda-feira, evitando tornar o assunto a principal bandeira da candidatura democrata para os combates finais antes do soar do gongo.
O caminho para a vitória Face à posição que os dois candidatos ocupam nas sondagens dos principais jornais e canais de televisão, que se vão atropelando à medida que nos aproximamos da noite de terça-feira (madrugada de quarta em Portugal), Hillary e Trump estão bem conscientes dos estados de que necessitam para chegar aos tão ambicionados 270 votos eleitorais que lhes garantem a eleição presidencial
O site Fivethirtyeight tentou arrumar a informação trazida pela avalanche de números e gráficos das últimas horas e, recorrendo a 14 sondagens realizadas entre o dia 28 de outubro e o passado domingo, calculou que Clinton lidera sobre o republicano com uma vantagem média de 1,9 pontos percentuais – um avanço que apenas sugere que a democrata ainda é a principal favorita, mas que pouco ou nada nos ajuda a arriscar um vencedor.
Trump parte ligeiramente atrás, mas sabe que o caminho para a vitória terá de passar impreterivelmente pela manutenção do legado deixado por Mitt Romney, que venceu no Arizona e na Carolina do Norte em 2012, e ainda pela conquista da Florida, Iowa e Ohio, três estados que Barack Obama conseguiu convencer nessa mesma eleição, mas que podem pender esta terça-feira para qualquer um dos lados.
Já Clinton terá de juntar esforços para conservar a chamada “barreira azul” – a cor do Partido Democrata – formada pela Pensilvânia, Wisconsin e Michigan. Se conseguir atingir este objetivo e ainda vencer um ou dois estados, entre a Florida, o Ohio e a Carolina do Norte, estará seguramente bem encaminhada se tornar a primeira mulher a exercer o cargo de presidente dos EUA e reduzir a investigação dos emails a uma simples pedra no caminho.