“Mal se sentam, as primeiras perguntas são sobre negócios. Será que vou fechar um bom negócio esta semana? Será que vou encontrar um investidor?”, conta a quiromante Vicas Campos, que todas as segundas e quartas se senta num canto da Pensão Amor, no Cais do Sodré, para ler o futuro nas mãos. Mas depressa a conversa muda de tom. “Depois de algum tempo de conversa, começam com um discurso mais emocional. Quase todos querem saber sobre a família, sobre saúde e se vão encontrar o amor.”
O “todos” de que Vicas fala inclui participantes na Web Summit, na maioria homens – “as mulheres olham mais, mas depois não se sentam” – oriundos de países como França, Espanha, Inglaterra e até Costa Rica. “Com esse rapaz tive uma conversa muito interessante. Disse-lhe que nas mãos via que ele era um bom filho, muito ligado à família, e que no seio da família via um cão como uma figura muito importante. Ficou entusiasmadíssimo e disse que era verdade, porque ele sempre sentiu que era muito parecido com o cão: ambos tinham um faro apurado!”, contou, entre risos.
A verdade é que Vicas não pensava que fosse ter uma noite tão concorrida quando os protagonistas se caracterizam pelo pragmatismo e apreço pela tecnologia, coisas que não parecem combinar com ciências mais ocultas. Mas foi. E a dez euros por cada leitura de mãos, a startup da quiromante parece ir no bom caminho.
Também no bom caminho ia o negócio da vizinha, a sexshop Purple Rose. “Ainda nem meia–noite é e já faturei mais do que em qualquer outra segunda-feira de que tenho memória”, conta Inês, também ela apanhada de surpresa pelo apetite pouco tecnológico dos participantes na Web Summit. E nem vale a pena pensar num bestseller – a verdade é que só se vendeu o mesmo artigo durante toda a noite: vibradores. E a mulheres, todas portuguesas, todas participantes na Web Summit. O amor parece ser claramente uma startup bem encaminhada nesta primeira noite da Night Summit, parte noturna da cimeira, que toma de assalto a zona da rua cor-de- -rosa e do Bairro Alto.
Posso ler o teu QR? No caminho entre a zona do Parque das Nações e o Cais do Sodré, Lisboa parece – como na maioria das noites de segunda-feira e ainda mais quando o frio subitamente comparece – uma cidade-fantasma. Tirando um pequeno grupo que se empoleira no logótipo da Web Summit em pleno Terreiro do Paço e outros que tiram selfies com o Pop Galo de Barcelos de Joana Vasconcelos, não se avista vivalma. Isto até ao Cais do Sodré e à sua rua cor-de-rosa. Aí, de repente, estamos num sábado de verão, pico de agosto, daqueles com gente a mais, a maioria a falar outras línguas que não o português.
Aliás, mais do que uma noite de verão, parece uma daquelas sessões para emparelhar solteiros em que todos carregam ao peito um badge com a identificação. Antes de se olhar para os olhos de alguém olha-se para o peito – e aqui não há outra intenção que não ver o nome e a origem. Depois, a pergunta da noite: “Posso ler o teu QR?”
Tal qual frase de engate dos tempos modernos, esta é a primeira aproximação para quase todos os que aqui estão. De tal forma que um grupo de amigas, todas de Londres, estudantes de programação, brincam que estão a começar uma competição de leitura de códigos QR. “Em poucos minutos li dez QR de malta da Farfetch!”, diz-nos uma. Mas ficámos sem saber o que ganhará a vencedora.
A leitura dos códigos QR é um pouco como a leitura das mãos: inicialmente procuram-se respostas para o sucesso nos negócios, depois chegam as dúvidas amorosas. E não vale a pena assobiar para o lado. Acontece aqui o que acontece em qualquer evento que junte milhares de pessoas, na maioria jovens, de nacionalidades variadas e interesses comuns. Sim, isto do networking pode ter muitas leituras. Mas também não sejamos injustos: as conversas que predominam não são de engate, mas antes de trabalho. Para onde quer que se olhe ouvem-se expressões como startup, investidor, projeto, pitch, tech, mudar o mundo.
“Aqui conseguimos falar de todos os assuntos que têm a ver com o nosso trabalho, mas de forma mais próxima”, comenta Aurora Baptista, CEO da BeeVery Creative, que desenvolve impressoras 3D. “Quando estamos numa situação formal há mais pressão e é mais difícil ser-se sincero e ter o tempo suficiente para ouvir, avaliar e fazer as perguntas todas que se quer fazer. Aqui fala-se de coisas sérias, como sempre se falou de coisas sérias na noite. Já tenho muitos cabelos brancos e já fiz muitos negócios que começaram na noite, com uma cerveja na mão”, acrescenta, do alto dos seus 56 anos.
Uma ideia partilhada por Magnus Romberg, investidor da Brain Trust Ventures, que conversa com um grupo de jovens. Vindo de Estocolmo, procura onde investir, mas também quer dar a conhecer mais sobre este universo aos jovens e às startups, com as quais já começou a trabalhar. “O interessante aqui é bebermos deste entusiasmo de todos estes jovens, e percebermos que temos tanto para ensinar como para aprender.” E que não sobrem dúvidas: aqui, uma cerveja ou um gin facilitam esta aprendizagem. E se, além disto, o amor acontecer? Ainda melhor.