«Sentimos tudo»

Felizmente, «sentimos tudo»! Mesmo quando aquilo que sentimos não são sentimentos ou sensações agradáveis, é bom sentir a vida e vivê-la na sua plenitude – no que de bom e de menos bom nos acontece. E sentir a vida é, no fundo, vivê-la. É sentir tudo o que está dentro de nós. As nossas vidas sem…

Felizmente, «sentimos tudo»! Mesmo quando aquilo que sentimos não são sentimentos ou sensações agradáveis, é bom sentir a vida e vivê-la na sua plenitude – no que de bom e de menos bom nos acontece. E sentir a vida é, no fundo, vivê-la. É sentir tudo o que está dentro de nós.

As nossas vidas sem sentimentos seriam inimagináveis. Seríamos máquinas, e faríamos tudo de forma programada, sempre da mesma maneira, sempre bem ou sempre mal. Mas sempre de forma mecânica, automática. Seria um mundo totalmente insuportável, porque é a contribuição da aleatoriedade dos sentimentos que dá existência e essência à vida. Sem esta chispa magnífica existiria vida automática, mas não vida humana. E, como diz, poeticamente, Manuel Bandeira: «O que eu adoro em ti é a vida»!

Ser humano é exatamente sentir, é recorrer às emoções para codificar ou descodificar o mundo. Sem sentimentos não haveria arte, não haveria beleza, não haveria livros que nos transportam para outras realidades, não haveria poesia. E, sem poesia tudo é tão mais difícil; sem beleza, sem sentimentos tudo é tão mais branco ou mais preto. São as emoções que dão cor ao mundo; é a forma como sentimos e interpretamos aquilo que vemos que nos torna humanos e nos faz querer viver. Ou, também, em alguns casos, são as emoções que fazem algumas pessoas não querer viver. Mas, também nestes casos, são os sentimentos que justificam a vida, lhe retiram sentido e geram o sentimento que leva a pôr fim a tudo (se bem que, na opinião, muito interessante, de António Lobo Antunes, com a sua vasta experiência de psiquiatra, nunca ninguém se quer suicidar; o que as pessoas pretendem é acabar com o motivo que as faz sofrer: «O suicídio é sempre o assassínio de um outro. Quando o meu bisavô deu um tiro na cabeça não era a ele que estava a matar: era o cancro do pulmão de que sofria. Se eu enfiar uma bala no doente do cancro que me habita, a pessoa saudável que sou, debaixo desta, torna a aparecer e continua viva. Ou, se tomar remédio das baratas, é a depressão que eu destruo. Ou, se acabar com a criatura abandonada pelo cônjuge, a criatura não abandonada, a que esta se sobrepôs, regressará.»)

Mas, como referido, também são as emoções, os sentimentos que levam à escrita e à leitura de poesia, que justificam que o poeta seja mais que todos os homens, que seja capaz de «condensar o mundo num só grito»…