Paul Tighe. “Este Papa é muito bom para as redes sociais”

Para o bispo e secretário do Conselho do Vaticano para a Cultura, que antes assumiu a pasta da Comunicação, a aproximação da Igreja Católica das redes sociais é muito difícil, mas absolutamente necessária

Não usa batina, mas a camisa cinzenta com colar branco e a cruz que lhe cai sobre o peito não deixam margem para dúvidas. Paul Tighe é um membro da Igreja Católica, recém-ordenado bispo e secretário adjunto do Conselho do Vaticano para a Cultura, tendo antes assumido a área da Comunicação. Responsável por o Papa Bento xvi ter tido uma conta na rede social Twitter, para Paul Tighe, as redes sociais estão longe de serem representações do mal. São antes “a possibilidade da expressão do sentimento da comunhão”, disse num dos painéis em que participou no âmbito da WebSummit.

É estranho ver alguém do Vaticano na Web Summit…

Sim (risos). Recebemos um convite por parte da organização e eu senti-me muito agradado em aceitar, porque um encontro como este está cheio de jovens e, mais do que jovens, pessoas com ideias que vão moldar o nosso mundo de várias maneiras. E que estão aqui a falar sobre as suas ideias, as suas preocupações, as suas esperanças. Fiquei muito encantado por ter sido convidado para fazer parte desta conversa. Estou aqui para duas palestras, mas essencialmente tem mais a ver com ouvir e aprender, mais do que falar.

Disse que, no passado, comunicação, para a Igreja, era um microfone e um púlpito. A mudança para as plataformas digitais é particularmente difícil para uma estrutura como a Igreja?

É muito difícil. Mas não podemos fazer as coisas como sempre fizemos. Numa comunidade como a nossa existe uma tendência para ver a comunicação como algo com apenas um sentido – o bispo ou o padre falam, instruem, e os outros ouvem. Isto é válido em certos ambientes. Mas num ambiente digital, as pessoas querem uma conversa, querem algo mais participativo. Por isso, se digo algo, tenho de estar disponível para receber uma pergunta. Se estou disponível para receber uma pergunta, tenho de estar disponível para ouvir críticas. Mas se quero mesmo ganhar uma audiência e ter a atenção das pessoas, tenho de as levar a sério. Senão, não me levarão a sério.

Isso obriga a uma profunda mudança na forma de estar da Igreja, ser capaz de receber críticas e encontrar a linguagem adequada para responder.

Se calhar, o que significa é descobrirmos coisas que sempre tivemos. Quem é padre numa paróquia está sempre a ouvir o que as pessoas pensam do seu sermão.

Mas nos patamares mais elevados da Igreja, isso já não acontece.

Pois, mas temos de levar este exemplo até esses patamares. Por exemplo, se um bispo faz uma declaração, depois tem de estar atento ao que as pessoas dizem e responder às suas perguntas. Se o fizer, será uma comunicação mais eficaz.

Acha que é mais fácil para a Igreja ser bem-sucedida na sua incursão nas redes sociais com este Papa?

Acho que este Papa tem uma grande vantagem: é um Papa que trabalhou toda a sua vida de forma muito próxima e direta com as pessoas. E aprendeu a comunicar de forma muito simples, e não apenas com palavras, mas também com gestos. Isso faz com que este Papa seja muito bom para as redes sociais. Muito frequentemente, ele tem uma forma muito eficaz de resumir uma ideia para que possa ser twitada. Ou abraça alguém e sorri, o que dá uma grande foto para o Instagram. É uma bênção termos um Papa que é tão natural e espontaneamente comunicativo. E a sua autenticidade passa para as pessoas, que gostam dele.

Um caso bem distinto do anterior Papa.

Era um homem tímido e um académico. Mas acho que, daqui a cem anos, vamos continuar a ler o que ele disse e escreveu porque são coisas brilhantes. Mas não são coisas que, por exemplo, sejam fáceis para usar nas redes sociais. Este Papa tem um imediatismo que o anterior não tinha. Acho que os dois se complementam.

E quais são os riscos que encontra nesta aproximação da Igreja das redes sociais?

Temos de ter o cuidado de não perdermos a capacidade de pensar e refletir porque, neste mundo digital, as pessoas tendem a achar que tudo tem de ser decidido de forma muito rápida, mas nem sempre é assim. A boa sabedoria humana leva algum tempo. Não nos podemos perder no online e deixarmos de prestar atenção ao que se passa no mundo físico à nossa volta. O Papa Bento xvi disse que, ao longo dos anos, a Igreja foi a vários continentes – África, América Latina, Ásia – e teve sempre a mesma mensagem apesar de, em cada sociedade, ter encontrado sempre culturas diferentes. Agora que estamos a tentar entrar neste mundo digital, é como se estivéssemos a entrar noutro continente. E temos de aprender os costumes, a cultura e a linguagem. E, como o Papa Francisco diz sempre, temos de encontrar a simplicidade na nossa forma de falar. Até porque a chave do que queremos comunicar é relativamente simples: Deus ama-vos.

Esteve ligado à comunicação do Vaticano desde 2007, período durante o qual a Igreja enfrentou inúmeros escândalos de pedofilia. Foram os momentos em que foi mais complicado comunicar?

Trabalhei com temas complicados mais em Dublin do que no Vaticano. Uma das coisas que aprendi foi que a verdade nos libertará sempre. Mesmo quando nos sentimos sob ataque, com os media a abordarem aspetos duros, se são verdadeiros, então é melhor que saibamos.

Mas saber e não agir é tão ou mais prejudicial para o funcionamento e imagem da Igreja. Ou não?

Claro. Primeiro temos de compreender o problema, reconhecê-lo, não o negar. E, por vezes, isso leva algum tempo. Levou sempre algum tempo à própria Igreja a acreditar no que tinha acontecido em alguns dos casos. E é muito importante ouvirmos as pessoas que sofreram, que foram vítimas de abusos, que sobreviveram a esses abusos, e aquelas para quem sobreviver continua a ser muito difícil. Temos de ouvir essas pessoas e perceber que, se elas confiaram em mim para contar o que se passou, tenho de garantir que isso nunca mais se repetirá, admitir o que se passou e construir uma resposta mais saudável. Para que estas pessoas possam construir uma nova vida. Mais do que a pressão dos media nestes casos, a pressão maior vem de querermos dar a resposta correta. A crise da pedofilia mostrou-nos que, em certos temas, não é possível fechar um capítulo e seguir em frente. Temos de viver com isso e garantir que tomamos conta daqueles que sofreram com os erros daqueles que faziam parte da Igreja. E garantir que não se repetirá.

Este ano passou a assumir a pasta da Cultura no Vaticano. Em que consiste?

Ainda estou a aprender o que tenho de fazer (risos). Os meus interesses pessoais nesta área são sobretudo o cinema e a literatura. E sobretudo na ficção contemporânea, sinto que continua a haver um desejo de encontrar o significado da vida, mesmo que esteja escondido por debaixo de várias camadas de cinismo e materialismo. Mas há algo que vejo ali e que tem a ver com uma abertura para algo mais profundo na vida. E a nós compete-nos ajudar as pessoas a encontrar uma boa resposta. Em relação ao olhar do Vaticano em relação à cultura, não é que queiramos evangelizar, mas queremos perceber como os mais variados artistas olham para o mundo e como expressam o ser humano.

Isso tendo em conta que muitos artistas estão distantes da Igreja.

É verdade. Mas mesmo esses estão à procura de algo que transcende o material e de novas formas de se expressarem. Se soubermos apreciar essa vontade e encetarmos diálogos, podemos descobrir, como já descobri, com artistas anti-Igreja e que ficam nervosos com a minha presença, que nos desagradam as mesmas coisas na sociedade contemporânea: o materialismo e o consumismo.