Eu show Trump ou quando o reality show toma a política de assalto

No distrito de Colúmbia, o centro do poder dos EUA, Hillary teve 94% dos votos, o que fez com as elites norte-americanas não percebessem que alguma coisa tinha mudado no país.

Eu show Trump ou quando o reality show toma a política de assalto

Há três anos, o apresentador John Oliver, que fazia as férias de Jon Stewart no The Daily Show, confrontado com notícias que Donald Trump poderia se candidatar às primárias republicanas, desatou numa gargalhada, em direto, dizendo que pagava para ver, e que até preencheria, logo ali, um cheque para o ajudar a candidatar-se. Na altura, a candidatura do multimilionário norte-americano era apenas um cenário de comédia.  De tal maneira, que quando, de facto, Trump se candidatou, o conhecido site The Huffington Post arrumava as notícias sobre a sua campanha na secção de entretenimento e espetáculo.

As elites de Washington, e mesmo as sua elites mediáticas, tiveram uma imensa dificuldade, não só, em perceber a candidatura de Trump, mas sobretudo em entender que a sociedade norte-americana tinha mudado e queria mandar um cartão amarelo ao sistema.

Os dados estavam lá, o crescimento das desigualdades, a crise do subprime, a financeirização da economia acompanhada pelo processo de deslocalização das fábricas, que transformaram a economia dos EUA no lugar em que a primeira ‘indústria’ eram os bancos e criaram os elementos necessários para se produzir um grande caldo de descontentamento. 

Mas como se sabe, não basta haver condições sociais é preciso interpretes e um discurso com sentido para elas. A opinião publicada não entendeu que havia um espaço que as candidaturas antagónicas de Bernie Sanders e Donald Trump expressavam embora com objetivos diametralmente opostos, como não percebeu que Trump, depois de derrotado Sanders pela máquina de interesses dos democratas instalados, tinha esse terreno todo do descontentamento social, na maioria da população dos Estados Unidos, apenas para si. 

Dois números apenas para mostrar como os tempos estão diferentes: uma sondagem o ano passado revelou que 48% dos jovens norte-americanos achavam que a palavra ‘socialismo’ tinha uma conotação positiva; na noite das eleições, a sondagem à boca das urnas, da CNN, revelava que 38% dos eleitores consideravam ‘a mudança’ como fator mais importante para decidir o seu voto.

O segundo aspeto que as elites e as suas componentes mediáticas não entenderam é que o aspeto ‘apalhaçado’ de Trump não era uma desvantagem, mas um triunfo para ele. Bastava terem olhado para Itália, em que o cómico Beppe Grillo construiu um partido que roça os 30% dos votos a partir do descontentamento dos italianos, para meditarem sobre isso.

Acresce que de alguma maneira, como defendia Marshall McLuhan, o meio é a mensagem ou de alguma maneira a forma é sempre uma organização particular do conteúdo.  E se Franklin Delano Roosevelt construiu a sua comunicação e força política através da rádio;  John F. Kennedy com a televisão; Barack Obama ‘empoderou-se’ pelas redes sociais; é normal que o modelo do Trump seja outro, o dos reality shows, que dão a ilusão de vermos a vida comum de uma pessoa igual a todos e de nos identificarmos com ela.