Ao SOL, Carlos Gaspar reconhece que não há nada de garantido em Trump, mas que é preciso levar as suas promessas de campanha a sério e antecipar um possível retraimento americano, que abre lugar à ascensão chinesa e estende o tapete a uma Rússia agressiva. Ou seja:«Tudo está demasiado em aberto no novo reino da incerteza.»
«A única coisa inevitável na política internacional é a guerra. A Rússia pode consolidar a sua posição estratégica regional se os Estados Unidos aceitarem dar-lhe a vitória na Síria ou se reconhecerem que a Ucrânia faz parte da sua ‘esfera de influência’», argumenta. «A questão da China é mais importante e mais complexa», diz, explicando que se é verdade que Trump tomou posições antichinesas na campanha, também o é a ideia de que afastar-se de pactos de livre comércio e a incerteza sobre os compromissos de defesa no Pacífico jogam a favor de Pequim. «Obviamente, a China, na Ásia, como a Alemanha, na Europa, podem beneficiar a fundo de uma lógica protecionista que serve para consolidarem a sua hegemonia regional».
As fragilidades do consenso global explicam Trump – pelo menos em parte. O autor argumenta-o usando os exemplos do crash financeiro de há oito anos, a estagnação salarial da classe média europeia e americana, a incerteza nas mudanças científicas e tecnológicas e, possivelmente, a ansiedade racial da maioria branca. «Pode haver uma correlação entre a proletarização das classes médias inferiores e o racismo, mas é muito difícil medir o ressentimento», diz. «No mesmo sentido, a sua demagogia, que explorou os reflexos mais primitivos, tornou Donald Trump o porta-voz do ressentimento racista».