RTP: Passadeira para criminosos

Foram mortas duas pessoas a sangue frio no dia 11 de outubro, em Aguiar da Beira, e outras duas ficaram gravemente feridas. Tiroteio, GNR envolvida – e Pedro Dias, o alegado homicida, a empreender aparatosa fuga. Durante quatro semanas, o país assistiu à saga. Por montes e vales, serranias e casebres, o piloto, caçador, MacGiver…

Esta semana, o fugitivo entrega-se. Entrega-se à Polícia Judiciária e à RTP. Foi quando vi a cara sorridente da jornalista Sandra Felgueiras, num elegante smoking festivo de veludo preto, no meio de Arouca, que achei que alguma coisa estava profundamente errada.

Pedro Dias declarou que tinha medo de ser morto. Ora, uma pessoa tem razões para ter medo de ser morto a tiro numa rua da Colômbia, da Venezuela ou em Chicago. Agora em Portugal, da última vez que ouvimos falar de um GNR e de um morto, foi quando um meliante se lembrou de levar um filho menor para um assalto. A criança acaba morta e o GNR na miséria porque foi condenado pelo tribunal a pagar uma indemnização ao pai criminoso.

A segunda inquietação senti-a a olhar para o fugitivo. Em vez de desgrenhado, de mãos esfoladas, barbudo e cabeludo, chupado e sarnento, a sair de uma toca (lembram-se de Saddam Hussein?), Pedro Dias apresentou-se à RTP escanhoado, com mãos de manicure e anafado. Eu sei que a jornalista já estava em Arouca, maquilhada e penteada, de smoking vestido, mas que diabo, não devia ter travado? Que o homem diga que tem medo de ser morto, ainda vá que não vá, mas que andou a comer castanhas e kiwis? Estão a gozar connosco? E a RTP presta-se ao papel?

O mais parecido que tínhamos com isto, e não tem parecença nenhuma, fora o caso de José Sócrates, ex-primeiro ministro. A chegada a Portugal foi de alguma forma preparada entre os seus advogados e as polícias, e foi televisionada, mas eram imagens fugazes. José Sócrates não se entregou às televisões. Cumpriu os trâmites legais. Enquanto esteve detido, os órgãos de comunicação social tiverem de pedir entrevistas às entidades públicas competentes, e algumas foram negadas.

A perplexidade continuou com o papel dos advogados, proibidos por lei de fazerem publicidade. Mas, daqui para a frente, este casal de advogados pode bem publicitar: «Prestamos defesa e asseguramos entrevistas com jornalistas credíveis na televisão do Estado em prime time. Antes do juiz, a RTP. Especialmente útil em casos de homicídio a sangue frio».

Bem sei que a jornalista já estava em Arouca, maquilhada e penteada, de smoking vestido, mas caramba, não se devia ter interrogado? E em Lisboa não havia uma dúzia de diretores, subdiretores e adjuntos de informação que dissessem: «Não, isto não é uma festa, a RTP não é a passadeira vermelha de suspeitos de homicídio. A justiça faz-se nos tribunais».

São tantos, e nenhum se lembrou?