2017 é o ano de todos os perigos para a moeda única

A moeda única e o projeto político europeu estão em discussão permanente. O calendário próximo tornam a problemática mais urgente 

O futuro do euro e também da União Europeia está sob ameaça. No próximo ano há vários acontecimentos políticos que poderão ditar aquilo que vai ser o projeto europeu. Desde logo o “conforto externo vai desaparecer a 20 de janeiro”, vaticina António Goucha Soares, que participava na conferência “Luzes e Sombras da União Europeia” que ontem se realizou na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. 

Este será o dia em que Donald Trump vai tomar posse como presidente dos EUA e as suas promessas de política económica mais protecionista e de aposta  em estímulos orçamentais em larga escala poderão prejudicar as economias da Europa – dependentes das exportações,  ao mesmo tempo que farão aumentar os juros, o que poderá colocar em causa a já difícil sustentabilidade das dívidas.

Mas a política de Trump poderá também ser catalisadora de sucesso eleitoral de movimentos semelhantes na União Europeia. Em 2017 haverá eleições em França, Alemanha e Holanda numa altura “em que há uma onda grande e não controlável do divórcio entre os eleitores e os decisores políticos”, refere o professor do ISEG – UL, que aponta “tratados ‘debaixo da mesa’, como o de Lisboa, que estão na base do divórcio”.

Para João Ferreira do Amaral, este divórcio é uma das razões para um “cenário plausível, quase inevitável do fim da União Europeia. Não da cooperação europeia mas do projeto político”. O também professor do ISEG-UL – desde sempre crítico da moeda única e da integração de Portugal no projeto – argumenta que “crises económicas há sempre” e que “um espaço que não reage  às crises económicas é um espaço condenado”.

Navegação à vista  Para Ferreira do Amaral o “grande erro foi querer uma Europa forte com Estados fracos e as pessoas reagem quando o Estado não é capaz de governar”.  Também Vítor Bento afirma que a “União  Europeia está em risco de desintegração”, acima de tudo devido ao “peso do euro”. 

O presidente da SIBS diz que “dificilmente se pode considerar que o euro seja o sucesso prometido pelos seus promotores” e que “o desempenho da zona euro fica atrás de todos os outros blocos económicos do mundo desenvolvido”. 

Goucha Soares lembra que a “zona euro tem vivido das OMT [ Outright Monetary Transactions – programa em que o Banco Central Europeu compra nos mercados secundários de dívida soberana, sob certas condições, obrigações de países da zona euro] do BCE” e que Mario Draghi, presidente do BCE,  termina o mandato em 2019. Ou seja, sustenta, “não há condições para alterar a estratégia em 2017 e permaneceremos em navegação à vista”. 

Enquanto Ferreira do Amaral afirma que “estamos a caminho do fim porque o euro é disfuncional e foi um fracasso porque não cumpriu os objetivos”, Vítor Bento manifesta esperança que o “euro consiga encontrar o seu caminho de futuro”. O problema está na “divergência económica entre países prósperos e países menos prósperos” o que gera uma “tensão política que vai ter como consequência uma maior dificuldade em encontrar uma solução”. 
O economista defende que a união monetária “só vai funcionar com integração política” mas esta “está a acontecer da pior forma possível: por via administrativa”. A visão é partilhada por Goucha Soares, para quem existe um problema com o “processo de centralização de competências na Comissão Europeia sem escrutínio democrático”.

Recuperação Stuart Holland, professor convidado da Universidade de Coimbra, também presente na conferência, diz que há um problema de “arrogância, incompetência e ignorância” na  Comissão e que a Europa já tem os mecanismos necessários para uma recuperação económica.

Ferreira do Amaral afirma que tal “concentração de poder tem poucos precedentes históricos e defende que a Europa terá um “novo enquadramento político, com novos tratados”. O professor sentencia que será uma “transição política complicada, mas inevitável”. 

À pergunta “o que será a nova Europa?”, responde que terá uma “visão de proteção da globalização, com um conjunto de “instrumentos de reação” em que os países poderão “coooperar em domínios e interesses comuns coletivos”. 
Como será a globalização e quais serão os interesses comuns coletivos dos países europeus são perguntas a que 2017 poderá dar resposta.