Quantas vezes ouvimos falar em casos de mulheres que foram forçadas a abdicar de um projeto, uma carreira, um sonho, por causa da sua constituição física? Muitas figuras públicas foram alvo de críticas devido à sua magreza: Angelina Jolie e Nicole Kidman são apenas dois exemplos das atrizes de Hollywood cujo corpo foi comentado nos tabloides. Nos videoclipes musicais, as artistas passam a imagem do corpo perfeito, que muitas vezes retratam figuras demasiado magras (as revistas cor-de-rosa chegaram a fazer correr muita tinta sobre a magreza da cantora Taylor Swift) ou com medidas desproporcionadas (veja–se o caso de Nicki Minaj).
No mundo da moda, a pressão para que as mulheres fossem de uma magreza extrema era tanta que em Paris foi implementada uma lei que proíbe modelos demasiado magras nos desfiles. Por cá, o caso de Jessica Athayde, no ano passado, gerou uma onda de indignação nas redes sociais, com alguns utilizadores a criticarem o excesso de peso e as marcas corporais da atriz e outros a defenderem que aquele, sim, era o exemplo de um corpo feminino bem feito.
A mais recente polémica em torno da manequim e apresentadora Helena Coelho fez com que esta questão voltasse a ser discutida. Em causa está o cancelamento de uma sessão fotográfica para a revista “Activa” e os motivos que levaram a este desentendimento: por um lado, foi alegada a falta de forma física da modelo de 35 anos; por outro, a falta de profissionalismo durante a produção. O certo é que o facto de ter vindo a público que a condição física de Helena Coelho poderia não ser a desejada por parte da revista espoletou uma série de reações nas redes sociais e uma discussão acesa em torno de uma questão: até que ponto notícias light como estas podem moldar a mente de quem as lê?
A psicóloga Maria do Carmo Cordeiro explicou ao i os perigos de uma notícia como esta nas mentes dos jovens. “Tanto na adolescência como nos adultos jovens há uma identificação grande com o belo e expetativa em relação ao que se virá a ser. Há uma idealização de tudo quanto é perfeito. No que diz respeito ao corpo feminino, as meninas são bullied por serem mais gordinhas. Com sete anos, já estão preocupadas com a contagem de calorias” – comportamentos que, segundo a especialista, não devem ser incentivados.
Ao estarmos a fazer a apologia do culto de certos padrões de beleza, estamos também a aumentar o fosso entre aqueles que seguem os estereótipos e os que são diferentes dos padrões impostos. É nessa fase que entra o bullying: “As crianças vítimas de bullying são muitas vezes consideradas as diferentes mas, se observarmos o meio em que vivemos, percebemos que as crianças mais gordinhas, por exemplo, não são as diferentes”: existem milhares como elas, só não correspondem às expetativas criadas pelos anúncios, filmes, videoclipes, etc. “Querem que elas sejam [diferentes], mas a verdade é que não são”, insiste.
Situações desagradáveis O psicólogo e sexólogo Júlio Machado Vaz fez questão de, sem apontar o dedo a esta situação em particular, alertar para os perigos de notícias como estas.
“Se a observação não corresponde ao que são, hoje em dia, as relações consideradas normais entre altura e peso, se as pessoas acham que a pessoa em causa tem um corpo normal e se, numa questão laboral, acaba por ser excluída, estamos perante uma situação particularmente desagradável” e que pode ter um grande impacto nas raparigas mais jovens.
“Temos estado a assistir a campanhas internacionais que alertam para a magreza excessiva de modelos. Temos estado a presenciar cada vez mais os esforços para evitar que jovens tenham tendência a interiorizar uma imagem física que é lesiva para a sua saúde. Agora temos uma rapariga para quem olhamos e, se calhar, 99% diriam que está perfeita em termos físicos, mas a seguir sabemos que não foi aceite por ter peso a mais. Convirá que é mais fácil que raparigas, sobretudo adolescentes, refaçam imediatamente a sua imagem corporal. Isso é perigoso”, explicou ao i.
Guerra dos Comunicados. Tudo começou com uma notícia avançada pela revista “Lux” na qual era explicado que as fotos tiradas a Helena Coelho em junho deste ano, numa produção não remunerada para aquela revista feminina, nunca chegaram a ser publicadas.
Tanto a agência de modelos como a revista em causa vieram a público acusar a manequim de falta de profissionalismo, motivo esse que levou a publicação a cancelar a produção fotográfica, e a manequim e a agência a terminar o vínculo que as unia. Helena Coelho, de 35 anos, decidiu assim “avançar com vários processos judiciais”, pois acredita que foi posta em causa a sua “dignidade pessoal, imagem e reputação profissional”.
Helena Coelho divulgou uma troca de emails com a sua representante na agência nos quais informava que teria de chegar atrasada por motivos familiares. Segundo a modelo, o recado nunca foi transmitido à equipa de produção da “Activa”. Mesmo assim, a sessão fotográfica avançou e a modelo teve de, segundo o comunicado emitido pela própria, trabalhar nove horas seguidas.
A manequim divulga ainda o email que lhe foi enviado pela agência após o sucedido, no qual é acusada de “reiteradamente incumprir com as obrigações profissionais, nomeadamente com a falta de pontualidade”, e de não se encontrar “em condições físicas para vestir biquínis e fatos-de-banho”. Segundo Helena Coelho, a sua imagem nunca foi motivo de discussão durante a produção: “Durante a sessão, nunca me foi mencionado qualquer reparo à minha forma física ou feita outra nota a qualquer outro motivo suscetível de se constituir como impedimento para o trabalho.”
Em comunicado, a “Activa” afirma: “O resultado da referida produção não cumpriu os critérios de profissionalismo e qualidade a que habituámos as nossas leitoras. No dia da sessão fotográfica, a apresentadora Helena Coelho chegou com três horas de atraso, o que comprometeu todo o trabalho da equipa envolvida e, consequentemente, o produto final. Nunca a condição física foi posta em causa em todo este processo.”
A L’Agence exige agora que Helena Coelho pague os prejuízos causados: 1875,75 euros.