“Temos uma crise de arrogância, ignorância e incompetência”

Entrevista a Stuart Holland, Profesor Convidado de Economia na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra   

O Brexit é o verdadeiro game changer da UE?

Temos uma crise de arrogância, ignorância e incompetência. E não é dos britânicos. Não estão ao corrente dos argumentos institucionais sofisticados. Percebem que a Europa não está a funcionar. Não há uma dimensão social. Há quem diga – eu não – que deveria haver um orçamento comunitário maior, mas a Alemanha nunca vai concordar com isso. A verdadeira resposta é igual à do New Deal dos EUA: obrigações. E há ignorância ao mais alto nível. Os conselheiros de Tusk, Juncker, os principais conselheiros económicos da Comissão nem sabem que, por exemplo, os empréstimos do Banco Europeu de Investimento (BEI) não contam para as dívidas nacionais, à semelhança das obrigações do tesouro dos EUA não contarem para a dívida da Califórnia ou do Indiana. Tudo isto está a ser desbaratado.

Porque é que acha que isso acontece?

Falta de vontade política, preferem não saber? Não o negam, porque não o sabem. Tive um encontro com a conselheira económica de Juncker sobre o Fundo para o Investimento Estratégico. Foi nomeado um comité de oito pessoas, em part-time, para decidirem critérios de investimento. Perguntei-lhe se conhecia os termos de referência do BEI e ela respondeu-me que não, que isso foi antes do tempo dela. Temos ignorância grotesca. Juncker, no seu primeiro discurso ao Parlamento Europeu, comprometeu-se com um plano de recuperação da economia europeia financiada com 300 mil milhões de euros pelo BEI em cinco ou seis anos. Com os multiplicadores, a injecção no setor privado chegaria a 900 mil milhões de euros – o que seria equivalente à ajuda do plano Marshall e certamente recuperaria a economia europeia, através de investimento social. Não podemos esperar pela recuperação do setor privado, que não vai recuperar. Precisamos, tal como no New Deal dos EUA, que o setor público invista e podemos fazer isso sem agravar as dívidas nacionais.

Se houver esse plano de recuperação económica, as pessoas vão aderir ao projecto europeu ou as tendências nacionalistas e populistas, contra a ideia de União Europeia, são irreversíveis?

David Cameron desperdiçou uma oportunidade no debate sobre o Brexit. E também Juncker. Se este tivesse começado a implementar este plano de recuperação há dois anos e se Cameron soubesse que estes empréstimos não contam para a dívida pública, então Cameron poderia dizer que a Europa está a acrescentar valor e que as exportações britânicas precisam da recuperação da economia europeia. E também teve um muito bom acordo do Conselho Europeu, que tem sido negligenciado. Este dizia que nenhuma decisão europeia seria obrigatória no Reino Unido. Alguns Estados-membros poderiam prosseguir determinadas políticas sem as impor a outros. Mas Cameron não vendeu o argumento. E passou por cima de áreas como a economia, finanças, defesa e relações internacionais, em que não haveria qualquer decisão que vinculasse o Reino Unido sem o consentimento do seu parlamento. Foi incompetente. 

Acha que a União Europeia poderá acabar antes de mudar de política?

Poderá acontecer. Hollande, por exemplo, quando foi eleito disse que seguiria uma política de mutualização da dívida e emissão de obrigações para a recuperação económica. Não o fez. E é possível que a Marine Le Pen ganhe e ela apoiou o Brexit, dizendo que deveria haver um Frexit. 

E sem a França é o fim da UE…

Sim. Se houver uma união monetária sem união económica haverá uma desintegração.