White Lies. Não é bom ter canções para fazer as pessoas dançar?

A banda inglesa regressa hoje a Portugal para atuar no Centro Cultural de Belém onde apresentam o mais recente disco, “Friends”.

Harry McVeigh, vocalista, guitarrista e um dos letristas dos White Lies, atende-nos o telefone em Madrid, antes de subir ao palco na capital espanhola para o penúltimo concerto da jornada ibérica da tournée europeia. Há mais de um mês que o grupo de McVeigh, Charles Cave e Jack Lawrence-Brown anda a viajar pelo velho continente e a última noite antes de regressarem a casa é hoje em Lisboa, no Centro Cultural de Belém. O grupo editou, no início de outubro, um novo disco, “Friends”, o primeiro trabalho de estúdio em três anos e dá um novo fôlego aos londinos, como confirma o próprio vocalista. Apesar de não perderem alguns traços característicos e marcas do género pós-punk, é inegável que houve uma vontade de querer sair da sombra e agitar as multidões.

O concerto de hoje, em Lisboa, é o último da digressão pela Europa. Depois é altura de voltar a casa, certo? Espero que a capital portuguesa seja um bom sítio para festejar.

Acho que vai ser!_Nós nunca tocámos em Lisboa [A banda tocou em Algés, concelho de Oeiras, em 2011, no então Optimus Alive] por isso estamos muito entusiasmados. E até vamos passar alguns dias por aí depois do concerto. Vão estar aí estar as nossas famílias e alguns amigos para ver o concerto, por isso vai ser muito divertido.

Vai ser uma verdadeira celebração, então. Também é assim que se sentem com a receção do público ao vosso mais recente disco, “Friends”?

Sim, tem corrido muito bem. Tem sido um ótimo período para nós. Ficámos muito surpreendidos, de forma positiva, porque estivemos parados durante três anos e uma pausa desse género pode ser bastante arriscada. Nunca sabemos muito bem o que esperar quando se regressa, por isso, sentir tanto amor como temos sentido em todas as salas em que tocamos, é maravilhoso.

Essa paragem de três anos e esse risco foi calculado ou a pausa acabou por ser mais longa do que o esperado?

Foi algo que tínhamos de fazer. Depois de acabarmos a digressão do terceiro disco percebemos que já tinha passado muito tempo. Na verdade, reparámos que até ao terceiro disco nunca tínhamos tido uma paragem digna desse nome. Sentimos que era importante restabelecer a ligação com as nossas vidas, por isso parámos cerca de seis meses no fim da digressão de “Big TV”. Só depois disso é que começámos a pensar num novo disco, mas como não tínhamos contrato com nenhuma editora, tivemos tempo para escrever canções e para ter a certeza de que íamos fazer um trabalho em condições. Acho que valeu a pena esperar.

Não ter editora foi um fator positivo ou sentiram uma maior pressão para escrever canções mesmo boas de forma a conseguirem apanhar um novo contrato?

Não creio que tenhamos sentido qualquer tipo de pressão. Ajudou muito a confiança com que partimos para este disco: sabíamos que ainda tínhamos mercado, que ainda vendíamos alguns discos e fazíamos boa música. Nunca pensámos em contratos com editoras, mas houve uma coisa que teve bastante impacto e ajudou a moldar as canções deste disco: para enviar as propostas tivemos de trabalhar muito bem as demos e isso era algo que não fazíamos há muito tempo. Nos discos anteriores, as primeiras demos eram muito rudimentares, só com teclados e loops de bateria. Desta vez polimos as demos e isso teve algum impacto nas músicas do disco, até porque algumas ideias originais acabaram por ficar.

Parece-me que o álbum tem uma grande ligação entre aquilo que fizeram em discos anteriores, mas também com algumas novas abordagens, como o uso de mais sintetizadores e da criação de momentos mais dançantes, como em “Is My Love Enough”. É aquilo que os White Lies foram e aquilo que querem vir a ser?

Acho que é mesmo isso. Foi muito consciente, foi algo em que pensámos muito durante a escrita e gravação do disco. Demorámos muito tempo para admitir que gostávamos muito o primeiro trabalho, “To Lose My Life…”, porque as sucessivas digressões esgotaram-nos. Os tais seis meses de pausa permitiram-nos voltar a ter vontade de ouvir o disco de novo e a perceber aquilo que tinha de bom ao ponto de ter sido tão marcante no arranque da nossa carreira. Mas ao mesmo tempo, agora queríamos fazer coisas novas.  Lembro-me que fizemos alguns concertos no fim da digressão de “Big TV” para multidões que nunca nos tinham ouvido antes e aí começámos a pensar: “não seria incrível ter canções para fazer as pessoas dançar?” Canções que nem fosse preciso perceber a letra: apenas para criar movimentos de dança. E acabámos por fazê-lo.

No início da vossa carreira, havia muita gente a dizer que soavam a Joy Divison e a bandas do período pós-punk, como os Interpol. Acha que os White Lies deram um passo em frente e hoje já são mais inspirados pelo período dos New Order?

Para ser sincero, acho que até já avançámos mais. O nosso gosto musical é muito vasto. Quando eu e o Charles [Cave, baixista] estamos naquele período de escrever música, passamos duas ou três horas por dia a ouvir música para tentar encontrar momentos de inspiração. Desde música clássica ou jazz até death metal. E acho que tudo isso acaba por entrar na nossa música. Pessoalmente, não me importo que as pessoas ouçam diversas coisas na nossa música e até gosto que encontrem em nós algumas das suas bandas favoritas. Mas há muito mais na nossa música e espero que consigam ouvir mais do que só isso.

O primeiro single do disco, que é também a primeira música, chama-se “Take It Out On Me” e tem um vídeo incrível. É uma espécie de curta-metragem realizada por David Pablos, em Tijuana. Como é que tiveram esta ideia?

Sentimos que era uma boa canção para abrir o disco e como primeiro single. É_rápida, mas também tem alguns elementos clássicos daquilo que são os White Lies: o baixo e a bateria ritmada, por exemplo. Mas é também é muito orelhuda. Quanto ao vídeo: nós já conhecíamos um filme do David, chamado “As Escolhidas” (2015), que era brilhante. O nosso agente ficou entusiasmado com a ideia de ter um realizador de cinema a fazer um vídeo para nós e entrou em contacto com ele. Acabámos por descobrir que ele também tinha muito interesse em trabalhar connosco e que também era fã de White Lies. A_proposta dele foi ótima: fazer um vídeo que fosse extravagante, mas também sombrio. E ir a Tijuana, conhecer a cidade dele, foi das melhores experiências da minha vida!

Acho piada ao que canta nesse tema, onde diz que está apaixonado pelo sentimento de ser usado. De certeza que já passámos todos por isso: estar tão apaixonado por alguém que ficamos cegos ao ponto de não saber dizer que não.

Sem dúvida. Toda a gente já teve um amigo metido numa dessas relações meio nefastas! (risos)

O disco tem o nome de “Friends” [Amigos], mas parece falar mais sobre as eternas confusões do amor e corações partidos. Como explica isso?

Há muitas coisas inexplicáveis na nossa banda, como são os títulos dos discos e até o próprio nome do grupo._Não pensamos muito nos significados, mas gostámos muito de “Friends”, até porque era suposto termos uma música com esse nome. A mim deixa-me a pensar em muita coisa: na série de televisão, nos meus amigos e nas minhas relações, naquilo que significam os amigos e o que é isso da amizade. Eu consigo perceber que é um disco sobre as relações, amorosas, sim, mas sobretudo sobre aquelas que tens com os teus amigos à medida que vais envelhecendo – que é o nosso caso, que estamos no fim dos “vintes” e a entrar nos “trintas”. É nesta altura que as vidas das pessoas começam a mudar bastante: casam-se, têm filhos e desaparecem, ou mudam de país.

É isso que ouvimos em “Morning in LA”, por exemplo?

Sim. Essa foi escrita pelo Charles. É sobre a diferença horária que existe entre ti e um amigo que mora longe, noutro fuso horário. Creio que há algo de romântico nisso e é uma das minhas faixas favoritas do disco.

Quando somos novos, pensamos muito nas desilusões amorosas e nos falhanços das relações. Agora que somos mais velhos, desiludimo-nos sobretudo as nossas amizades que vamos percebendo que não são tão sólidas como julgávamos?

Se calhar sim! É interessante que a ideia daquilo que é para ti um amigo, ou o conceito de “melhor amigo”, que muda muito nesta altura da tua vida. Quando és adolescente, vês os teus amigos e o teu melhor amigo todos os dias – porque vais para a escola com ele! Mas agora há pessoas que são os meus melhores amigos e que só vejo uma vez por ano. Podem já não estar tão presentes, mas ainda assim sinto uma grande ligação com eles.

Em 2017 vão comemorar a vossa primeira década enquanto banda. Vai ser uma data importante para celebrar?

Acho que sim. E este disco é muito importante nesse sentido porque quer durante a composição e durante a gravação como já na digressão consegui mudar a minha perspetiva relativamente aos White Lies. Agora já sinto que é algo mais permanente, que estamos aqui para ficar, que podemos andar a fazer discos por mais dez ou 20 anos. E é uma ótima sensação.

Chegou a deixar de sentir isso?

Claro que sim. É sempre sábio saber aceitar que a indústria da música é muito inconstante, que muda sem nós nos darmos conta e que pode até deixar-nos para trás. Nós sempre tivemos consciência disso, mas felizmente conseguimos continuar a escrever canções que as pessoas querem ouvir e ver. Isso é maravilhoso.