Trump lava mais branco

A vitória de Donald Trump não se deve ao racismo: muitos dos brancos pobres que votaram em Obama votaram no milionário. Mas pela primeira vez os racistas apoiaram um vencedor.  

Um dos romances preferidos dos supremacistas brancos é Os Diários de Turner, supostos apontamentos de um combatente branco contra o domínio dos negros e dos judeus nos EUA, numa época apocalíptica em que a revolta branca armada recorre a um atentado nuclear.

O romance foi escrito, em 1978, por William Luther Pierce, líder da organização supremacista branca Aliança Nacional, sob o pseudónimo de Andrew Macdonald. O romance está disponível em numerosos sites nazis e racistas nos EUA e, de 1978 ao ano 2000, foram vendidas mais de 500 000 cópias do livro. Nele, rebeldes brancos massacram, torturam e executam os negros, judeus e os seus colaboradores ‘liberais’, com realce para jornalistas.

Sem piedade são executadas publicamente todas as raparigas que foram apanhadas a ‘conspurcar a raça’ tendo relações sexuais com negros. No cenário do romance, os negros e os judeus teriam tomado o Estado Federal e os brancos fazem uma guerra de guerrilha contra negros violadores. No romance, como na vida, os supremacistas brancos julgam que se vive nos EUA uma guerra racial de vida ou de morte.

Donald Trump, como fez notar Nate Cohn, no The New York Times não foi eleito por causa do racismo, «Clinton sofreu as suas maiores derrotas em sítios onde Obama era mais forte entre os eleitores brancos. Não é simplesmente uma história de racismo». No mesmo sentido pronunciou-se Tin Cartey no Washington Examiner: «Os eleitores brancos de baixos rendimentos votaram em Obama em 2008 e em Trump em 2016, e a explicação disso é a supremacia branca? Interessante.»

É certo, como explica Glenn Geenwald no The Intercept num artigo em que se citam estes autores, «as pessoas frequentemente falam sobre ‘racismo/sexismo/xenofobia’ versus ‘sofrimento económico’ como se fossem totalmente distintos. É claro que há elementos substanciais de ambas as coisas na base eleitoral de Trump, mas as duas coisas estão intimamente ligadas: quanto mais sofrimento económico as pessoas enfrentam, mais irritadas ficam, e torna-se mais fácil direcionar a sua insatisfação para bodes expiatórios».

Se parece claro que os EUA de hoje não são mais racistas que os EUA que elegeram Obama, é também verdade que se verificam com a campanha e eleição de Donald Trump três coisas: o atrelar à sua campanha de setores nazis e racistas; a colocação em altos cargos de elementos relacionados com essa área política, como Steven Bannon nomeado principal conselheiro do Presidente, e a adoção pelo o programa de Donald Trump de pontos de vista anti-imigração, expulsão dos muçulmanos e criminalização dos negros há muito defendidas pelos setores supremacistas brancos.

Do insulto ao apoio declarado

Num fascinante artigo do site Politico, How White Nacionalists Learned To Love Donald Trump, faz-se a monitorização de centenas de sites, fóruns e páginas ligadas aos supremacistas brancos dos EUA, e historia-se a evolução destes em relação à personalidade de Donald Trump. As posições evoluem do insulto, desde lhe chamaram ‘palhaço’ e ‘judeu’, até ao apoio declarado de gente ligada à Klu Klux Klan, como o antigo líder da organização racista David Duke, e a definição por setores nazis dos EUA de Trump como «o melhor candidato possível de sempre».

Os movimentos supremacistas brancos nos EUA são muito divididos, contam com centenas de organizações diferentes e milhares de aderentes. Eles marcam presença na internet com muitos sites influentes e uma panóplia de fóruns eletrónicos e outro tipo de recursos na rede digital.

Durante anos, sites como Stormfront, o mais importante fórum racista-branco em língua inglesa, e o Vanguard News Network Forum insultaram o multimilionário e a sua vida de enterteinement: «Do ponto de vista de um nacionalista branco é impossível que este multimilionário do imobiliário possa ter feito milhões de dólares sem o apoio da conspiração financeira judaica», defendia o VNN em 2006. Mesmo em 2011, depois de Trump ter tomado posições anti-imigração e colocado em dúvida que Barack Obama fosse norte-americano, podia-se ler no fórum da Stornfront que as desconfianças se mantinham: «é patético que tenhamos um presidente negro a ser colocado em causa por um branco que desejava ser judeu».

O lança-chamas de Bannon

A mudança nos setores nazis e racistas começa mais tarde. Em 2015, com um elemento importante dos setores do chamado nacionalista-branco, Andrew Anglin, um conhecido ciber-activista nazi, a dar o seu apoio público a Donald Trump no site Daily Stormer: «Se Donald Trump consegue a nomeação, é quase certo que vencerá Hillary Clinton, como homem branco como vocês vou votar pela primeira vez, na vida, num homem que defende os nossos interesses», afirmou em junho de 2015. 

Estes apoios serviram simultaneamente para dar ativistas e quadros à candidatura de Donald Trump, como para ‘normalizar’ parte dos posicionamentos racistas, islamofóbicos e anti-imigrantes dos nazis. É certo que este tipo de políticas é defendido por setores mais abrangentes que os nazis e supremacistas brancos, como é o caso daqueles representados pelo vice-presidente fundamentalista cristão, Mike Pence. Mas a verdade é que setores de extrema-direita que ‘namoram’ com os nazis dirigiram parte da campanha de Trump e hoje têm um peso importante na administração proposta pelo futuro Presidente dos EUA. É o caso de Steven Bannon, antigo diretor do site de extrema-direita, Breitbart , que foi definido, segundo o diário espanhol, El País, como «o agente mais perigoso da política americana». Um amigo, num elogio, comparou-o até com Leni Riefenstahl, a realizadora dos grandes documentários de propaganda de Adolf Hitler, como O Triunfo da Vontade. «Se em qualquer sítio há uma explosão ou um incêndio, provavelmente encontraremos Steve por perto de fósforos na mão», ironizou um colaborador seu. Agora o personagem em questão, Steve Bannon, é um dos nomes escolhidos por Donald Trump para ser seu principal conselheiro na Casa Branca, depois de ter dirigido a sua campanha presidencial.

Até alguns meses, Bannon era um dos agitadores da direita mais extrema dos Estados Unidos. Do Breitbart News, o pequeno império online que ele dirigia, Bannon apontava o seu lança-chamas mediático contra muçulmanos e feministas, contra democratas e republicanos. Sempre com o desejo de provocar: «Os anticoncecionais tornam as mulheres feias e loucas», diz uma manchete do Breitbart News. «Você preferiria que sua filha tivesse feminismo ou cancro?», pergunta outra. Ou ainda: «Erga-a para o alto e com orgulho: a bandeira confederada proclama uma herança gloriosa». A bandeira confederada é o símbolo dos Estados esclavagistas do sul dos Estados Unidos que lutaram na Guerra Civil, e é associada ao racismo e à segregação racial.

O Breitbart News também usou insultos antissemitas, como no dia em que um colunista, num título, chamou de ‘judeu renegado’ o neoconservador William Kristol, diretor da revista Weekly Standard e que, apesar de republicano, é muito crítico a Trump.

A nomeação de Bannon para um dos cargos com mais peso na Casa Branca – o outro é o chefe de gabinete, para o qual foi apontado o político republicano Reince Priebus – significa que uma extrema-direita entrará caminhando pelo tapete vermelho nos salões do poder. Ideias racistas, xenófobas, islamofóbicas tornam-se política de Estado ‘normais’. Recebem um selo de institucional com a chegada do ex- diretor do Breitbart News à equipe que governará os destinos dos Estados Unidos nos próximos quatro anos.