Os resultados eleitorais têm batido o pé às sondagens nos últimos tempos e por isso todo o cuidado é pouco na avaliação das probabilidades de vitória que pesam sobre os ombros dos candidatos à nomeação presidencial d’Os Republicanos. Veja-se o caso de François Fillon, defensor da família e da tradição, ultraliberal e católico fervoroso, que em apenas uma semana se desagrilhoou do estatuto de outsider, nas eleições primárias abertas daquele partido conservador francês, e parece ser agora o mais bem posicionado candidato a candidato, e candidato a tomar o lugar de Hollande no Eliseu, na primavera do próximo ano.
O seu adversário no tira-teimas do próximo domingo, Alain Juppé, percorreu o mesmo caminho, mas no sentido contrário. O moderado primeiro-ministro de Jacques Chirac liderou as intenções de voto, durante várias semanas, e parecia mesmo destinado a vencer a primeira volta das eleições internas do partido, realizada no passado fim de semana. Mas a realidade trocou-lhe as voltas. Passou à segunda volta, sim, mas com apenas 28% dos votos, contra 44% do também ex-primeiro-ministro, Fillon, e a esperar por um milagre no confronto final de amanhã. De fora da corrida ficaram outros cinco candidatos, incluindo o antigo presidente Nicolas Sarkozy, com 20,6% do número total de votos, um resultado que lhe valeu um chocante terceiro lugar e o obrigou a anunciar (mais um) exílio político.
Depois de quatro dias de intensa campanha, com diversas trocas de acusações, Juppé e Fillon digladiaram-se pela última vez antes do choque eleitoral na quinta-feira à noite, num debate televisivo assim-assim. As sondagens – novamente elas – apontam para uma disputa final, em maio, entre o nomeado d’Os Republicanos e a líder da Frente Nacional, Marine Le Pen, pelo que foi com alguma naturalidade que se viram dois candidatos a falar para o país e não apenas para a direita francesa. Nesta ânsia de quererem divulgar os seus planos a toda a França, passaram mais tempo a debitar tópicos escritos em papéis trazidos de casa e menos a debatê-los.
A direita de Fillon
Embora a sombra de Donald Trump continue a pairar sobre a eleição – ao ponto de Fillon ter prometido, em campanha, que também quer «mudar o sistema», mesmo tendo feito parte dele durante mais de 30 anos – a verdade é que o nome do presidente eleito dos EUA não foi referido por nenhum dos candidatos durante as duas horas de transmissão do confronto.
O debate acabou por ser mais previsível do que as expectativas criadas pela curta campanha desta semana e tanto Fillon como Juppé, mesmo sendo ambos adeptos da «necessidade de mudança», concordaram em discordar. O primeiro voltou à carga com o seu ambicioso plano ultraliberal para «libertar a França da burocracia», que envolve a extinção de meio milhão de postos de trabalho do setor público e que aponta para o pleno emprego em cinco anos, e o segundo apelidou a estratégia como uma «reforma brutal», impossível de ser posta em prática.
As posições contraditórias sobre a tão badalada identidade francesa também foram postas em cima da mesa. Juppé considera que aquela é o resultado da «diversidade rica» que existe no país e que ele quer agregar, ao passo que Fillon repele o argumento, apregoando a necessidade de uma assimilação mais eficiente dos cidadãos de nacionalidade estrangeira. «Não, a França não é uma nação multicultural. Quando alguém chega a casa de outrem, por cortesia, não toma o seu lugar», defendeu.
A questão da identidade da França é, afinal, o ponto-chave para se perceber as diferenças abissais da postura dos dois pretendentes, das duas direitas que estão em confronto e do porquê da recente onda de popularidade do antigo primeiro-ministro de Sarkozy. Afinal, ser anti-sistema está na moda e apesar de Fillon e Juppé fazerem parte da mobília da política francesa, exposta nas últimas décadas, o primeiro aponta ao eleitorado francês mais conservador, mais tradicional, profundamente católico, insatisfeito com o centro, com o socialismo de Hollande, com as ideias moderadas e inclusivas, e (aparentemente) distantes da linha mais dura da extrema-direita (ver texto ao lado). Ao assumir-se como o candidato agregador de muitas destas ideias geradoras de insatisfação, Juppé corre o risco de deixar escapar, na sua direita, a direita de Fillon.
Terrorismo e islamismo
Para além disso, François Fillon não tem problemas em expressar-se contra o fundamentalismo islâmico. Numa altura em que a França vive em estado de emergência, devido à vaga de atentados terroristas, levados a cabo por extremistas que professam o Islão, e que matou mais de 200 pessoas em pouco menos de dois anos, os seus cidadãos andam de ouvidos bem abertos para conhecer uma estratégia que considerem realmente eficaz e drasticamente distinta da que é seguida pelo impopular Hollande. O título da obra mais recente de Fillon – Conquistar o Terrorismo Islâmico –, publicada em setembro, é sugestivo e parece atrair um número considerável deste eleitorado que procura mais respostas e menos promessas, alimentado com citações como «a invasão sangrenta do islamismo no nosso dia-a-dia pode ser o anúncio de uma terceira guerra mundial».
O posicionamento de Juppé sobre esta temática, mais moderado, globalizante e apelativo à inclusão em detrimento da exclusão, valeu ao centrista as alcunhas de ‘Ali Juppé’ ou ‘Grande Mufti de Bordeús’, uma realidade que demonstra bem o estado de intolerância que se vive em França e que pode ser decisivo na escolha do candidato presidencial d’Os Republicanos.