Quarta-feira, 14h. Idalécio Oliveira – o único português réu na Operação Lava Jato – chegou ao Tribunal Federal de Curitiba, Brasil, e sentou-se em frente ao juiz federal Sérgio Moro e ao procurador Diogo Castor de Mattos para ser interrogado. O homem que era desconhecido em Portugal até surgir nos chamados Papéis do Panamá tinha duas opções: ou ficava calado ou contava os detalhes do negócio com a Petrobras na exploração de petróleo no Benin. Escolheu a segunda e até lançou uma pequena brincadeira ao superjuiz brasileiro: «Fiz alguns milhares de quilómetros para poder estar presente, portanto eu estou aqui para falar».
Neste dossiê da Lava Jato estão em causa suspeitas do pagamento de ‘luvas’ de 10 milhões de dólares (mas que poderão ser mais) ao ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, com o objetivo de vender uma parte de um campo de petróleo em África à companhia estatal brasileira Petrobras. Além de Idalécio, foram acusados Eduardo Cunha e a sua mulher – Cláudia Cruz -, Jorge Luiz Zelada, ex-diretor da área internacional da Petrobras, e João Rezende Henriques, intermediário das ‘luvas’ ligado ao PMDB (partido de Cunha).
Nesta primeira sessão, Idalécio assumiu ter pago um success fee de 10 milhões de dólares, mas recusou ter conhecimento de que esse dinheiro se destinaria a Eduardo Cunha, afirmando que o valor era um pagamento a João Henriques por consultoria e por este ter intermediado o negócio. «Ele disse que teve lá o seu trabalho, né? Bom, ele era livre, ele faz a sua vida, eu faço a minha, né? E nós pagamos [os 10 milhões de dólares] e pagamos religiosamente. Quando nós recebemos o dinheiro [os 34 milhões da Petrobras], não demorou muito tempo, nós pagamos ao senhor João Henriques», acrescentou.
Questionado pelo Ministério Público sobre se não considerava a comissão demasiado alta tendo em conta o valor do negócio com a petrolífera brasileira – os 34 milhões de dólares -, o empresário disse que não estava à espera que a Petrobras pagasse tão pouco: «Estava pensando, sempre tive na minha cabeça que em função da avaliação […] eu iria receber da Petrobras uma proposta de pelo menos 150 milhões de dólares». O desfasamento justifica-se, diz, porque o success fee foi acordado antes de conhecer o valor final do negócio – que confessa tê-lo dececionado. Perante os magistrados admitiu ainda que à posteriori até acabou por pagar mais 11,5 milhões ao intermediário.
“Como é possível, meu Deus?”
Se ao início o polo cinzento dentro do blazer e os movimentos calmos denunciavam um Idalécio tranquilo, uma hora depois o português estava já irrequieto e dizia-se «muito triste» e «muito indignado» com a acusação. «Como é que é possível, meu Deus, vir para aqui do estrangeiro arrastar a Petrobras para o buraco do Benin? Como é que é possível, meu Deus, que eu venha para aqui e faça uma fraude e enrole todo o mundo na farinha, incluindo uma das empresas maiores do mundo. Como é que é possível? Me perdoe excelência senhor doutor juiz, eu não gosto de falar assim, não é o meu tipo de pessoa, mas estou muito indignado e muito triste com este tipo de acusação. Como é que é possível fazerem uma montagem dessa?!», questionou mais exaltado.
Assim que se sentou na sala, o empresário de Vouzela começou por explicar como surgiu o negócio de venda de direitos de exploração de Petróleo à petrolífera estatal brasileira – uma empresa que diz ser «do [seu] coração» e da qual até chegou a usar um «crachá na lapela».
O negócio que o MP diz ter sido ruinoso para os cofres públicos brasileiros começou em 2009. «Nós apresentamos um perfil da nossa companhia chamado flyer em inglês a Petrobras. Ou seja, apresentamos à Petrobras essa possibilidade, essa oportunidade», disse, admitindo que foi ele próprio a conduzir as conversações.
Segundo a versão de Idalécio, a Petrobras acabou por mostrar interesse na exploração, dando origem a diversas conversações. Ao juiz disse que, assim como tinha consultores para os negócios com a Shell, aceitou contratar os serviços de João Henriques.
E o empresário disse mesmo em tribunal ainda hoje estar grato pelos serviços que o Ministério Público considera serem de corrupção: «Foi nosso conselheiro, indicou-nos portanto que nós deveríamos montar uma empresa de G & G, de geologia e geofísica. Empresa que nós fizemos e guiou-nos os passos, como é que nós nos devíamos portar com a Petrobras, né? Foi de facto uma ajuda valiosa, eu estou muito reconhecido, não obstante tudo o que está a passar agora, né?»
Fazendo sempre referência que a exploração de petróleo é um negócio de milhões e que a escolha da Petrobras acabou por ser precipitada pelas condições oferecidas mas também pelo facto de ser a única petrolífera que podia iniciar a exploração e a perfuração em 2013, ano para o qual a empresa de Idalécio tinha conseguido autorização de exploração por parte do governo do Benin, o empresário confessou ainda que fez mais pagamentos além dos 10 milhões de dólares.
«Fiz sim, fiz», disse o português. E a justificação apresentada é simples: é que o acordo com o intermediário pressupunha que este tivesse mais direitos além dos milhões pagos pelo serviço de consultoria, passando a figurar como uma espécie de sócio. Porém, com as dificuldades da Petrobras em iniciar a perfuração em 2013 e a possibilidade de a Shell disponibilizar uma plataforma – duas alterações ao que fora inicialmente acordado – Idalécio e João Henriques decidiram fazer uns acertos: o intermediário terá assim recebido mais 11,5 milhões de dólares. O empresário de Vouzela adiantou ainda que «entretanto surgiram problemas» e que ainda deve algum «dinheiro ao senhor João».
“Não sabia que era para Cunha”
Se por um lado assumiu os pagamentos feitos, por outro o português – que é apresentado pela Justiça do Brasil como tendo um rendimento mensal de 5 mil euros e um curso de engenharia mecânica incompleto – nega que alguma vez tenha tido qualquer reunião com o seu «consultor» na Petrobras ou sequer que tivesse conhecimento da versão apresentada pelo MP de que os milhões pagos pela intermediação sob a forma de sucess fee eram na verdade ‘luvas’ para o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha.
A pergunta do juiz Sérgio Moro era clara: «O MP afirma aqui neste processo que parte desse dinheiro que foi pago de comissão para o senhor João Henriques foi parte dele destinada ao senhor Eduardo Cunha, que na época era deputado federal. Ele chegou a mencionar alguma coia para o senhor a esse respeito?»
Idalécio também não deixou margem para dúvidas e até disse que pela primeira vez, naquele preciso momento, estava a ouvir falar no nome de Eduardo Cunha (um dos políticos mais influentes do Brasil e que várias vezes foi notícia em Portugal): «Nunca mencionou, nem eu tampouco. Nunca ouvi falar portanto nesse senhor Eduardo Cunha, agora que eu estou ouvindo falar».
É nessa fase da sessão que o português usa a sua nacionalidade estrangeira para alegar que nunca tinha ouvido falar no fenómeno de corrupção no Brasil: «Não sou brasileiro, eu vim para aqui fazer meu trabalho, para reuniões técnicas, várias vezes, né? Isso para mim é novo».
A Petrobras aproveitou-se de nós
Questionado sobre o baixo valor apresentado pela Petrobras (34 milhões de dólares), o primeiro réu português da Lava Jato criticou a postura da Petrobras, dizendo que a estatal se aproveitou da sua situação.
«Excelência senhor juiz, com todo o respeito que eu tenho pela Petrobras. Não sei se é forte o que eu vou dizer, mas eu acho que se aproveitaram um pouco também da nossa posição, meio assim, né? Nós demonstramos muito interesse em ter a Petrobras connosco, então, isso foi quase assim: é pegar ou largar. Não foi com esses termos, né? Mas entendi isso, é pegar ou largar…», disse.
Apesar de sugerir que até ficou prejudicado com o negócio, Idalécio deixou claro que não guarda qualquer mágoa e que espera voltar a trabalhar em breve com a empresa estatal do Brasil.
“Desejo-lhe Longa vida e iluminação”
O português dos Papeis do Panamá ainda ponderou adiar a sua ida ao Brasil. A revelação foi feita pelo arguido em tribunal, na sequência de uma questão concreta do magistrado Sérgio Moro. Idalécio Oliveira defende que hesitou mas porque esteve doente, mas que se trataria de um mero adiamento: «Estou aqui num estado impossível, né? Mas vim cá, estou aqui».
A sessão termina com um longo agradecimento do acusado ao juiz Sérgio Moro pela possibilidade que lhe deu «de [se] explicar» e um desejo de «longa vida, saúde, prosperidade e iluminação». O português deixou ainda uma declaração de paz para com todos os que estiveram na origem da acusação do Ministério Público Federal: «É importante dizer que, não obstante tudo o que passou – né? – nós não guardamos nenhum rancor, portanto, com as pessoas que contribuíram, para formar essa acusação».