Entre os mortos…

Nos locais menos Suspeitos encontram-se as frases mais poéticas. Foi num velho livro de índios e cowboys que encontrei esta: “Entre os mortos havia um que respirava – Texas Jack!”

Texas Jack não estava morto. Respirava apenas. Entre as vítimas do tiroteio, sobrava o herói desenhado e imortal.

Marcelo Boeck não precisou de ser herói. Limitou-se a ficar em casa. Lembro-me da história de Cerdan, o pugilista. Não tinha lugar no voo que ligaria Paris a Nova Iorque. Um simpático casal cedeu-lhe os deles. O avião de Cerdan despenhou-se nos Açores. Não sei o nome de nenhum dos membros do casal. Ficaram anónimos, mas vivos.

Boeck passou pelo Sporting sem brilho. Faz anos a 28 de Novembro. Pediu para ficar em casa e não viajar para a Colômbia com a sua equipa do Chapecoense. Queria comemorar em família. O Destino ofereceu-lhe algo que não tem preço: a vida.

No lugar de Boeck sentou-se um colega, um companheiro, talvez mesmo um amigo. A morte às vezes cai do céu e escolhe os seus favoritos. E escolhe-os sem critério, acho eu, apenas com um gesto, com um sopro amaldiçoado, com o apontar de um dedo sinistro e sujo. De cada vez que tomamos o lugar de alguém, talvez estejamos a enganar a morte. Ou, mais provavelmente, será ela que nos está a enganar a nós. Afinal ela manda mais do que a vida.