É exatamente aos pais que devemos a vida e é aos pais, nos casos em que a pessoa cresce num ambiente familiar estável, que se deve quase tudo – a alimentação, a educação, o exemplo, os valores, o meio em que crescemos, o amor que aprendemos a dar e a receber. E esta é uma verdade tão óbvia como a constatada por Joaquim Namorado: «Quem impõe ao dia / que não nasça / ao sol que é a sua fonte / que não brilhe?».
Infelizmente, quem não cresce em ambiente familiar também o deve aos seus pais, por não terem querido, sabido ou podido cuidar dos filhos.
E é ainda aos nossos pais, num sentido mais vasto, no sentido que lhes é atribuído no hino, é aos nossos «egrégios avós» que devemos este País que herdámos, este País endividado, este País em crise, este País que não permite futuro aos seus jovens e os obriga a partir. Tema, este, de tanto sofrimento, que já cabe na poesia, nomeadamente na de Filipa Leal, e que citarei a propósito de outro tema com este relacionado.
Mas é também aos nossos pais, nesse sentido mais vasto, que temos de agradecer a liberdade que nos deram, a liberdade que hoje temos de poder gritar bem alto (tão alto que se cola às paredes) aquilo que pensamos e sentimos. Foram eles que, corajosamente, nos deram esse bem maior que é a possibilidade de livremente dizermos toda a verdade, pois: «Nesta hora limpa da verdade é preciso dizer a verdade toda / (…) / Pois é preciso que o povo regresse do seu longo exílio / E lhe seja proposta uma verdade inteira, e não meia verdade. // Meia verdade é como habitar meio quarto / Ganhar meio salário / Como só ter direito / A metade da vida.» (Sophia de Mello Breyner Andresen). E nenhum de nós pode satisfazer-se apenas com metade da vida…
E, na realidade, temos de agradecer aos nossos pais porque, na verdade, foi cada par que nos gerou, cada conjunto de pai e mãe que nos deu a vida.
Maria Eugénia Leitão
Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services