A guerra de guerrilhas é um combate assimétrico: transforma-se a fraqueza militar em força política. Apesar de ter falhado na tentativa de tomar, de surpresa, um quartel de 1500 militares com 80 jovens mal armados, Fidel Castro organiza um desembarque de 82 homens para derrotar o exército de dezenas de milhares de homens do ditador Fulgencio Batista. Era um verdadeiro combate de um D. Quixote, o seu herói preferido.
Fidel e Raúl foram condenados a 15 e 13 anos de prisão, respetivamente. Mas o regime de Batista pretendia dar a ilusão de estar a democratizar-se e os presos do processo de Moncada foram amnistiados em 1955. Fidel Castro partiu para o exílio no México, onde veio a conhecer o médico argentino Ernesto “Che” Guevara. Os revolucionários elaboraram um plano de desembarque de uma pequena força guerrilheira em Cuba. No dia 2 de dezembro de 1956, o iate Granma desembarcou esta pequena força expedicionária, de 82 homens, na praia das Coloradas, na costa oriental de Cuba.
A operação foi um fiasco. “Não foi um desembarque, foi um naufrágio”, diria mais tarde um dos que aportaram à ilha. O Granma tinha atolado na costa cubana em plena luz do dia, o bote com mantimentos e armas afundara, e a força aérea de Batista começara a metralhar os insurrectos assim que pisaram terra firme. três dias depois, são emboscados pelo exército em Alegria de Pio. O exército da ditadura lança a notícia: Fidel fora morto ao tentar invadir a ilha com seu irmão Raúl e 40 outros guerrilheiros.
Restavam-lhe cerca de 20 homens mal alimentados. Precisava de ressuscitar. Os seus ataques a postos militares remotos não conseguiam ser notícia. Foi nestas circunstâncias que recorreu a um expediente já usado, em 1895, por José Martí, o herói máximo da independência e da história revolucionária de Cuba: convidou um jornalista americano para ver no terreno a situação.
O arauto deveria ser, idealmente, de um grande jornal. E, de preferência, de direita, para aumentar o impacto, é o que nos revela o artigo da revista “Piauí” “Um jornalista que foi notícia”, de Dorrit Harazim. O repórter conseguiu o que até hoje é considerado um dos grandes furos jornalísticos. Fidel obteve legitimidade dentro e fora de Cuba, além de fôlego para prosseguir a guerrilha, que estava em condições periclitantes, e assumir a liderança simbólica das dezenas de pequenos grupos que combatiam a ditadura.
A reportagem não se fez sem insistência do jornalista. Os proprietários do jornal não viam com bons olhos incomodar o ditador Batista. No livro “O Homem que Inventou Fidel”, de Anthony Depalma, revela-se os bastidores da reportagem, mostrando documentação detalhada das circunstâncias do episódio, que deixam à mostra as entranhas do funcionamento de um grande jornal: memorandos internos da direção, bilhetes manuscritos pelos editores e repórteres envolvidos na cobertura de Cuba, dúvidas da família Sulzberger, proprietária do jornal, quanto ao acerto da reportagem que incomodaria os interesses dos EUA na ilha das Caraíbas.
Um drama que também teve a sua parte cómica. De capote, cachecol e boina de lã pretos, a figura de Matthews chocava com a paisagem tropical. O americano subiu a montanha sem gravador, só com bloco de notas e caneta, para não levantar suspeita nos controlos militares.
Nos três artigos publicados no “The New York Times”, Castro repetiu que o futuro que queria para Cuba era uma democracia e não tinha nada que ver com o comunismo: “[Castro] tem como ideias-força a liberdade, democracia e justiça social, e que é necessário restaurar a Constituição e realizar eleições”, escreveu o jornalista sobre o seu entrevistado.
Perguntou-lhe sobre as relações futuras com os EUA e Castro assegurou: “Podem estar seguros de que não temos nenhuma animosidade em relação aos Estados Unidos e ao seu povo.”
Posteriormente, na entrevista que deu ao autor da sua melhor biografia, Tad Szulc, matizou as suas posições políticas na altura. Era óbvio que tentava seduzir a opinião pública norte-americana para a sua luta e pressionar o governo de Washington para que fosse reduzida a ajuda ao ditador Fulgencio Batista.
Muitos autores consideram que a evolução de Fidel para o comunismo foi forçada pelo cerco que os EUA lhe fizeram depois da nacionalização dos interesses das empresas norte-americanas na ilha. Fidel Castro confessou ao biógrafo Tad Szulc que já tinha lido livros de Marx e Lénine e que as ideias aí expressas lhe agradavam, mas não tinha aderido aos comunistas. “Eu adquiri consciência revolucionária. Participava na luta, mas vamos dizer: eu era um combatente independente”, confessou Fidel.
Já os serviços secretos norte-americanos tinham uma opinião definida sobre Fidel Castro: “Um exemplo de um jovem cubano de boas famílias que, em consequência da falta de controlo paternal ou de verdadeira educação, pode tornar-se um autêntico gangster.”
Por sua vez, Fidel Castro, durante a sua luta de guerrilha, radicaliza a sua posição sobre os EUA. Em carta à sua grande amiga e colaboradora Celia Sanchéz, indigna-se contra o apoio de Washington a Batista e o bombardeamento com armas fornecidas pelos EUA a uma casa de camponeses pobres: “Ao ver as bombas que largaram sobre a casa de Mario, jurei que os norte-americanos vão pagar bem caro o que estão a fazer, Quando esta guerra acabar, começarei uma guerra muito maior e duradoura: a guerra que vou ter contra eles. Esse será o meu verdadeiro destino.”
A 1 de janeiro de 1959, o ditador Fulgencio Batista foge (chega a viver muitos anos na ilha da Madeira e morre em 1973, em Marbella). Fidel Castro entra em Havana a 8 de janeiro, aclamado por dezenas de milhares de pessoas que saúdam o derrube da ditadura de Batista.
Quando nesse dia fez um dos seus longos discursos à multidão, a certa altura foram libertadas pombas brancas para simbolizar a paz e uma delas pousou-lhe no ombro, levando a multidão a gritar: “Fidel, Fidel!”, reagindo a uma espécie de sinais dos deuses, presentes no catolicismo misturado com as religiões de origem africana que embebem a ilha. O escolhido tinha chegado a Havana.