Parece que, quando anunciaram a Nelson Rodrigues a morte de Guimarães Rosa, ele terá exclamado, em choque: “Morreu como, se estava vivo?” Sobre a veracidade do episódio, o próprio Nelson escreve numa das suas crónicas mas, como dizem os italianos, “si non è vero è bene trovato…”
Fidel Castro morreu e ninguém pensava que isso já viesse a ser possível. Talvez não estivesse tão vivo como Guimarães Rosa em novembro de 1967, mas estava suficientemente vivo para a sua morte apanhar muitos de nós distraídos, de surpresa. A imagem do cadáver de Che Guevara, de olhos abertos, em La Higuera, faz parte da história das nossas vidas. Fidel era o Che que não morria. Um Che aburguesado no topo da pirâmide de uma hierarquia de revolucionários que ficavam nos sofás em vez de irem fazer a guerra para parte nenhuma.
Mas Fidel Castro foi também um homem apaixonado por desporto, que praticou modalidades tão distintas como basquetebol, futebol, caça submarina, xadrez, basebol e até golfe.
Pitcher
No basebol, pitcher é o termo que em português pode e deve ser traduzido como lançador. O lançador tem como missão eliminar os batedores ao longo do jogo à custa de lançamentos. Fidel Castro era um pitcher. Na Universidade de Havana dizem que era um dos melhores. De tal forma que começou a chamar a atenção de olheiros norte-americanos, sempre em busca de jogadores interessantes para a MLB, a Major League Baseball. Poderia não vir a ser um Joe Dimaggio ou um Babe Ruth, mas dava nas vistas. Depois, nestas coisas das quais a morte faz parte, entram as lendas.
No final dos anos 40 terá tido convites para se treinar em clubes como os Pittsburgh Pirates ou os New York Yankees. Outro mito, tanto confirmado como desmentido, fala de uma proposta oficial para ser jogador dos New York Giants. Talvez em 1949. Ou 1950. Ou 1951.
Vamos até um pouco mais longe no tempo: 24 de Julho de 1959. Provavelmente o revolucionário mais antiamericano da geopolítica, Fidel Castro já havia deposto Fulgencio Batista. No Estádio Latinoamericano, em Havana, surgiu equipado a rigor pela equipa de Los Barbudos: “fez alguns lançamentos, defrontou a equipa da Polícia Militar, o povo divertiu-se nas bancadas e ficou ainda mais próximo do seu líder”, contou Roberto González Echevarría, autor do livro “O Orgulho de Havana – História do Basebol Cubano”. E acrescenta: “Ao longo da vida foi um adepto fiel dos Havana’s Sugar Kings.”
Direito do povo
A Revolução Cubana declarou o desporto como “um direito do povo” e não apenas um caminho para a conservação da saúde. Foi fundado o Instituto Nacional do Desporto e Recreio para desenvolver programas entretanto estabelecidos para a promoção do desporto de massas. Embora o seu jogo na infância fosse o basquetebol (outra invenção do inimigo americano), Fidel Castro fez os possíveis para ligar as conquistas desportivas de atletas como Teófilo Stevenson, três vezes campeão olímpico de pesos-pesados, ou de Javier Sottomayor, recordista do mundo de salto em altura, a uma ideia firme de orgulho nacional.
Definitivamente, era um amante do desporto. No seu livro “Castro’s Cuba, Cuba´s Fidel”, o fotojornalista Lee Lockwood cita o presidente cubano: “Nunca fui um campeão porque não me treinei o suficiente…”
Tornou-se campeão de uma ideia de democracia eivada de tiques ditatoriais e fomentou as visitas dos seus desportistas favoritos que eram recebidos em Havana como amigos e com honras de Chefes de Estado. Muhammad Ali e Diego Armando Maradona estiveram sempre a seu lado. Em 1961, baniu o desporto profissional do país. “Quem ama verdadeiramente o desporto e sente o desporto, preferirá sempre a via do amadorismo do que a via do profissionalismo”. Em 2013, o desporto profissional voltou a Cuba.